Respondendo ao post do Felipe no tópico sobre consciência aqui, para não desvirtuar a discussão lá.
Ola Martucheli,
Mas vc poderia citar um exemplo do pq de interpretações como a de Goswami, Kappra, Heisenberg , Bhor e Bohm não podem ser levadas a sério?
Abs
Felipe
Para explicar porquê tal interpretação não é levada a sério, tenho que explicar primeiro o problema que a originou - o problema da medida.
Em Mecânica Quântica, há um algoritmo muito bem estabelecido para a probabilidade de se obter diferentes resultados experimentais em uma medida. Resolve-se a Equação de Schrödinger, obtém-se o "vetor de estado" (chamado também de função de onda), e daí calcula-se as probabilidades que interessam. A discussão se o vetor de estado tem significado físico ou não, e se sim, qual significado, é longa. Mas, para o propósito daqui, não importa. Importa que o algoritmo é bem estabelecido e já foi muitas vezes confirmado.
Exceto que um problema nele ocorre durante uma medida. Um exemplo: supomos que eu faça uma medida de spin de um elétron na direção z, e ele esteja em tal estado que haja 50% de chance de obter spin up e 50% de obter spin down, e o aparato esteja feito de tal forma que me avise por um ponteiro se é um resultado ou outro. Aplicada ao sistema elétron + aparato de medida + quem mede, A Equação de Schrödinger prevê que nesta situação, no final da medida, o ponteiro estará em uma "superposição" de apontar para spin up ou spin down, nós estaremos em uma superposição de acreditarmos que o resultado foi spin up e acreditarmos que o resultado foi spin down, e o próprio elétron estará em um estado de superposição!
Mas nós sabemos, por introspecção, que ao medirmos algo sempre obtemos um resultado. Não estamos em um estado de superposição, seja lá o que significa isto. Ou acreditamos que o resultado foi spin up, ou spin down. Os ponteiros dos aparatos de medida também sempre apontam para um resultado ou outro. Na lingüagem da física, dizemos que houve um 'colapso' do vetor de estado durante a medida. De um estado de superposição, passou a um estado em que uma quantidade física é bem definida.
Chegamos, então, a um impasse: a dinâmica da Equação de Schrödinger está em contradição com o colapso da função de onda. O postulado do colapso está certo quando uma medida ocorre, mas errado quando ela não ocorre; enquanto a dinâmica está certa quando não há medida, mas errada quando há uma medida.
A solução encontrada nos livros textos é simplesmente dizer que há duas leis fisicas: uma (Equação de Schrödinger) para situações em que não há medição, e outra (Postulado do Colapso) quando há. Se aceitamos esta solução, precisamos de uma definição precisa de “medida” para sabermos qual lei utilizar e quando. E isto não é fácil, uma vez que o aparato de medida é também um sistema quântico composto de partículas fundamentais que, a princípio, também obedecem à Equação de Schrödinger, isto é, nada diferencia a interação de medida de uma interação normal. Este problema é o que ficou conhecido como problema da medida. Como diria Bell,
“Parece que a teoria preocupa-se exclusivamente sobre 'resultados da medição', e não tem nada a dizer sobre qualquer outra coisa. O que exatamente qualifica alguns sistemas físicos para desempenhar o papel de ‘medidor’? A função de onda do mundo esperava para colapsar até um ser vivo unicelular aparecer? Ou teve que esperar um pouco mais, por algum sistema melhor qualificado [... ] com um doutorado? Se a teoria é aplicável a qualquer coisa, e não apenas operações de laboratório altamente idealizadas, não somos obrigados a admitir que processos 'de medição' estão acontecendo mais ou menos o tempo todo, mais ou menos em todos os lugares? Não temos então o colapso da função de onda o tempo todo?”
A interpretação da consciência é uma tentativa de resolver este problema. Para Wigner, o principal defensor desta teoria, a consciência humana é que causa o colapso do vetor de estado. Por isto não ocorre estados em que acreditamos que o resultado foi um e também acreditamos que foi outro; por isto o gato, na experiência do gato de Schrödinger, nunca está vivo e morto ao mesmo tempo quando o observamos*. Nesta interpretação, temos um mundo dual, um mundo composto de sistemas físicos, outro por seres conscientes.
Uma exigência razoável a ser feita a esta teoria é que seja definido “consciência” e no que ela difere de sistemas físicos usuais, assim como exigimos antes uma definição de “medida”. No entanto, não é muito claro como esta definição possa ser feita, e este é um dos motivos pelo qual ela foi abandonada. David Albert jocosamente lembra de uma conferência que Wigner defendia que humanos têm consciência, e cachorros também, mas não ratos.
É bom salientar que nesta visão a consciência NÃO pode ser produto do nosso mundo físico, pois no caso dela ser constituída de partículas, também se aplicaria a ela a Eq. de Schrödinger. Deve ser algo com um que de mágico, magicamente posto em nós (por Deus?).
A visão do mundo que temos a partir dela é esquisítissima também. O universo tem quase 14 bilhões de ano; nossa espécie, nem um milhão. O universo ficou todo este tempo esperando um ser consciente para 'colapsar'? Um exemplo, em um estado de superposição da vida ter surgido ou não?
Pelo absurdo das duas hipóteses, e por existir melhores formas de interpretar a MQ, que esta interpretação não é mais defendida por ninguém na literatura do assunto.
* A rigor, em um estado de SUPERPOSIÇÃO de uma coisa e outra. Por incrível que pareça, é diferente. É um estado em que "spin z" não é bem definido; que perguntar qual o spin da partícula é como perguntar se o número 8 é casado. Na interpretação usual, digo.