Jcatino,
Valeu pela sugestão, eu vou procurar esse tópico que você mencionou e dar uma lida.
Mas quando eu digo que vc fez confusão é porque me parece não ter entendido algo
que escrevi, no entanto não subentenda que com isso eu estou afirmando que a culpa
por este mal entendido ou não entendimento é sua. Pode muito bem ser minha. Talvez
eu não tenha me expressado bem, até porque nós estamos discutindo conceitos que
são mesmo muito difíceis de definir. Então eu tenho que colocar de outra forma,
usar algum outro exemplo, até que o meu texto reflita exatamente o que eu estou
pensando.
Quando eu questionei sobre os "mecanismos" naturais capazes de gerar a consciência
você achou que eu estava pressupondo que a consciência aflora como o resultado do
funcionamento de algum sistema biológico, ou então você estava usando as minhas
próprias palavras para me demonstrar essa que é uma conclusão sua. Acho que a
segunda hipótese é mais provável, que vc usou a maneira como eu me expressei para
embasar o seu próprio ponto de vista, só que eu não me referi a "mecanismo" nesse
sentido, mas é muito difícil vc encontrar termos adequados para expressar idéias
que fogem muito do concreto, que tratam de coisas que não são muito claras.
Eu não quis usar "mecanismo" nesse sentido justamente porque estou tomando cuidado
para não pressupor nada.
Alguém aí, acho que foi o Dante, sugeriu que a consciência pode ser um atributo da
própria matéria, que talvez ela já exista como possibilidade na estrutura de um
átomo. Ou seja, ele está sugerindo que a consciência existe independentemente da
vida biológica e que é anterior a esta. Não dá para a priori descartar essa
hipótese, uma vez que eu não sei nada sobre a consciência, de onde ela vem, por
que processos eu estou consciente, como eu deixarei de estar consciente algum
dia. Eu não estou pressupondo que a consciência é algo sobrenatural, que não possa
um dia ser entendida pela ciência e reproduzida artificialmente, e se você entendeu
assim vc está confundindo o que eu disse, mas a culpa não é sua, provavelmente é
minha, ou de repente não é de ninguém, o problema é que é difícil mesmo. Quando
a gente fala sobre consciência está no limite entre a Física e a metafísica.
Eu não vou pressupor que a consciência é algo sobrenatural mas também não vou
pressupor que é alguma coisa que você consegue simplesmente conectando neurônios
porque seria o mesmo erro. A gente não deve pressupor nada quando se está
completamente no escuro sobre alguma coisa. O sensato é esperarmos até termos
informação que sirva para embasar uma ou outra hipótese.
Talvez o Dante tenha razão, ou talvez ele tenha chegado perto, pode ser que o
estamos tentando compreender exista como um atributo do próprio universo, algo
assim como a gravidade é um atributo do espaço. Talvez de alguma forma ela
tenha sido catalisada por processos biológicos, mas de uma maneira que no
momento ninguém imagina como. Ou pode ser qualquer outra coisa que eu não
tenha pensado ainda.
A TE só vai até o ponto em que você pode supor que ter consciência é uma vantagem
evolutiva. Mas diferentemente das nadadeiras em um peixe você não pode usar a TE
para explicar como a consciência foi obtida por um organismo, como um sitema
biológico tem, gera, ou capta a consciência.
Deixa eu colocar de outra forma. A partir do momento em que um espermatozóide
fecunda um óvulo você pode explicar todas as etapas do desenvolvimento de um
indivíduo enquanto sitema biológico com os conhecimentos atuais da biologia,
da física, da química, etc...(novamente este enquanto que eu detesto).
Obviamente existem muitos detalhes que não são conhecidos, mas nada que pareça
absurdamente misterioso a ponto de ninguém ter uma idéia de como possa ocorrer
apenas como resultado de fenômenos naturais basicamente conhecidos.
A consciência é a exceção.
Não podemos ter certeza mas o zigoto não parece estar consciente ainda. Você
mesmo argumenta, e eu acho que o seu argumento é válido, que a consciência
não é útil para um organismo se ele não executa algoritmos para se relacionar
com o meio. É o caso de um embrião que nem formou neurônios ainda. Em algum
ponto do processo de desenvolvimento desse embrião a consciência desperta.
Algo acontece, cujo entendimento parece estar além meramente da compreensão
de sinapses e da ação de substâncias químicas, que faz com que uma consciência
individual seja criada.
O que é esse "algo"? Como ele pode ser entendido e descrito com base nas leis
da Física?
Essa foi precisamente a questão que eu levantei. Perguntei se alguém tinha alguma
idéia sobre como os processos bioquímicos realizados no cérebro resultam em
consciência. Se é que o responsável por isto sejam apenas processos bioquímicos.
Ninguém parece ter uma idéia de que "algo" seja este no processo de desenvolvimento
de um organismo que dá orgiem a uma consciência e ninguém parece ter uma idéia de
que "algo" tenha sido este no processo da evolução que desembocou no primeiro ser
vivo com algum grau de consciência primitiva.
A sua tese de que essa consciência primitiva foi uma vantagem em relação a
outras formas de vida semelhantes que ainda não a possuíam me parece muito
defensável, faz sentido embora não seja inquestionável, mas infelizmente
não me ajuda em nada a entender como uma barata consegue estar consciente.
Quando alguém quis entender como o olho humano capta as ondas eletromagnéticas,
as organiza e as transmite na forma de impulsos nervosos para o cérebro a
resposta não estava no fato de um olho primitivo ter sido uma vantagem evolutiva
(embora a TE possa nos explicar todas as etapas na formação deste órgão). Mas a TE
sequer nos diz como a consciência se formou e nem como funcionam os processos
que a originam, apenas supõe que pode ter sido útil evolutivamente.
Mas esse não é o grande mistério. O grande mistério é entender como é possível
fazer a matéria - que é inanimada por príncípio - pensar, saber que existe,
sentir.
Eu acredito que hoje este seja o enigma que a Ciência esteja mais longe de decifrar.
Daqui a 50 anos eu posso imaginar computadores fazendo coisas incríveis, mas
não consigo conceber uma máquina baseada na arquitetura de Von Neuman tendo
algum tipo de consciência, e eu vou tentar mostrar por quê.
Pense em um processador, em como ele funciona. Vamos imaginar um simples, com
apenas um núcleo, sem branch prediction, sem instruções vetoriais, sem nenhum
tipo de otimização porque isso não mudaria nada.
Esse processador é apenas uma máquina que carrega o registrador de endereços
com um padrão binário, o que faz com que o barramento de endereços seja
energizado com o mesmo padrão binário, o que faz com que uma posição de
memória que tem circuitos específicos para este padrão se conecte ao barramento
de dados, o que faz com que as cargas elétricas armazenadas em seus capacitores
fluam por este barramento, o que faz com que o registrador de instruções seja
carregado com um padrão binário igual ao que está carregado na posição de
memória lida.
Traduzindo para linguagem de gente uma instrução de máquina acabou de ser
carregada no PC ( program counter ).
Se for uma máquina CISC essa instrução é decodificada e executada por um
microprograma, se for RISC diretamente pelos circuitos do processador, mas em
ambos os casos o que você tem são cargas elétricas fluindo por transistores,
capacitores sendo carregados e descarregados, um cristal sincronizando tudo
com pulsos de tensão, no final do ciclo uma nova instrução é carregada e
começa tudo de novo.
Isso não faz o chip ficar consciente.
Um programa é apenas uma sequência de ciclos como este. Não importa se as
instruções estão fazendo o computador jogar xadrez ou se elas simplesmente
entram em loop e não fazem nada de útil. Quem enxerga um significado em
um computador executando um programa somos nós, seres inteligentes. A máquina
tá lá funcionando e como qualquer outra máquina alheia a tudo.
Não importa o programa que você escreva ele não vai fazer o computador
desenvolver uma consciência. Se alguém pudesse ver um processador
funcionando seria muito parecido com a linha de montagem de uma gigantesca
fábrica automatizada, e ninguém pensaria que dependendo do produto que está
sendo montado a fábrica possa se tornar um ser consciente.
Às vezes computadores parecem tão inteligentes e interagem de uma maneira
tão natural conosco que esquecemos do que realmente são e temos essa
impressão de que eles estão no caminho para se tornarem seres humanos.
Mas não há nada no processo do desenvolvimento de um sistema de inteligência
artificial que contribua para um chip de silício ficar consciente. Independente
da sofisticação e complexidade que você acrescentar ao sistema, e independente
do quão este sistema vai parecer bom a um ser humano ao realizar tarefas
aparentemente inteligentes, o programa não alterou em nada a natureza do
chip e este continua sendo uma maquininha eletrônica indiferente às instruções
que estiver executando.
Da mesma forma não há nada na teoria sobre o desenvolvimento e evolução de
maquininhas biológicas que explique como estas maquininhas, a princípio
indiferentes aos processos bio-físico-químicos que realizam, puderam um dia
desenvolver consciência e até se questionar sobre estes mesmos processos.
Há 50 anos se sabia que um programa para vencer o campeão mundial de xadrez
precisaria ser apenas um programa melhor. Mas sempre se soube que para o
Hal 9000 sonhar seria preciso alguma coisa a mais que simplesmente um
programa melhor.
Nós temos essa "alguma coisa a mais", resta agora descobrir o que é.