Negativo. Não se pode realmente justificar a mentalidade belicista de forma racional. O que pode acontecer, mas é completamente diferente, é ter uma capacidade racional restrita a modelos que não consigam transcender o belicismo.
Gostaria que você desse algum argumento, em vez de simplesmente fazer declarações. Explique por que razão não se pode justificar a mentalidade belicista de forma racional.
Evidências científicas, epistemológicas, realmente não tenho. Por isso tenho o direito, e talvez a necessidade, de exercitar minha fé e até mesmo fazer escolhar arbitrárias.
Acho que isso encerra essa discussão. Se você simplesmente acredita que os animais são dotados de raciocínio e pronto, não adianta eu insistir no contrário.
Para mim você acaba de admitir que tem fé -- e a fé do primeiro tipo. Você poderia acreditar no Saci-Pererê também, já que eu não tenho provas de que ele não existe.
É fé, sim. Fé em que não faz sentido buscar algo que não pode levar a nada de desejável, e portanto devo me dedicar às alternativas que tenham alguma chance de consequências construtivas, mesmo que seja uma chance pequena ou que só possa se consolidar daqui a muitas gerações.
Neste ponto estávamos discutindo é a sua fé nos animais serem dotados de razão, e não a moral. Quanto à moral, eu mesmo é que estava tentando te convencer que partimos de premissas incomprovadas para justificar nossos objetivos morais. Você pode usar a razão para calcular como alcançar as consequências desejadas, mas não para definir quais consequências desejadas são essas.
Seria fé supersticiosa? Até onde percebo, não. Mas se quiser elaborar...
A fé na racionalidade dos animais? Claro que é, você disse que acredita e pronto, a despeito da falta de provas! Quanto à "fé" embutida na escolha de um conjunto de premissas morais, essa é a "fé" que eu chamei de "senso de transcendência".
Não pelo que eu entendi. Você parecia estar defendendo uma idéia mais ousada e mais radical, de que instintos e razão excluem-se mutuamente.
Instinto e razão são coisas completamente diferentes. Você não pode dizer que uma escolha baseada em instintos é baseada na razão. Minha escolha de preferir o prazer, em vez da dor, não tem nada de racional, é meramente instintiva. Qualquer animal é capaz disso. Já que você considera os animais muito mais racionais do que eu, deixa eu reformular: qualquer autômato selecionado naturalmente no sentido de sobreviver e ter o máximo de descendentes faria isso.
O "não matarás" é um exemplo. Por mais que possamos elaborar racionalmente uma ética mais elevada, incluindo conceitos bem mais complexos, como "não prestarás falso testemunho do teu próximo", esses conceitos têm que partir de uma premissa mais básica, por exemplo, a premissa de que todo ser humano é igual em valor; ou de que existe um Deus que tudo vê e tem uma lista de dez coisas que ele não quer que você faça; ou de que o que interessa é eu me dar bem e danem-se os outros; etc. Pode até ser que essas premissas não sejam tão básicas assim e possam ser reduzidas a outras, beleza, mas acontece que não podemos reduzir ad infinitum, nós precisamos tirar nossos princípios de um ponto de partida que não é racional - e eu não estou falando nada de absolutamente novo aqui, pergunte para Gödel se não acreditar em mim. Não temos um axioma universalmente válido, temos no máximo as restrições que a evolução nos impôs, mas elas são frouxas o suficiente para podermos elaborar uma miríade de filosofias morais (ou amorais), todas igualmente racionais.
Se te entendi corretamente, você pode estar confundindo a origem histórica da moral com sua sustentação racional e filosófica. Só porque o início da moral veio de instintos biológicos e superstições não se segue que ela não possa, não deva ou não tenha sido ainda devidamente estruturada em termos racionais.
Você não me entendeu corretamente. De novo. Leia de novo meu post. Depois leia o trecho em seguida:
A estruturação da moral em termos racionais ainda carece de uma definição de o que é e o que não é desejável do ponto de vista moral, e essa definição não é justificável racionalmente. Uma sociedade utópica onde todas as pessoas são felizes, por exemplo. A razão pode ser empregada no sentido de pensar em como chegar a essa sociedade que desejamos, mas esse desejo, em si, não é racional. Uma sociedade onde todo mundo é feliz não é mais racional do que um mundo em que todo mundo é triste.
Para essa discussão não se estender à deriva indefinidamente, deixa eu te dizer logo o que você tem que fazer para me convencer de que eu estou errado: prove racionalmente que o prazer é melhor do que a dor ou que a alegria é melhor do que a tristeza. E prove racionalmente todas as suas premissas. Observe que se você deixar uma única premissa sem comprovação racional, então eu tenho razão, a moral se baseia em princípios irracionais.
O simples fato de haver prós e contras como parâmetros de decisão já implica em uma escolha arbitrária.
Arbitrária ou ponderada?
Claro que arbitrária. Se fosse ponderada, isso implicaria na escolha de um critério de ponderação. E esse critério de ponderação seria arbitrário ou ponderado? O critério para o critério? E o critério para o critério para o critério? Se em algum nível a escolha não for arbitrária, caímos em uma regressão infinita.
Quem garante que os seus prós são iguais aos meus prós e os seus contras sejam iguais aos meus contras?
Em muitos casos não serão mesmo. E por esse motivo, entre outros, é preciso que as escolhas morais sejam bastante ambiciosas e fundamentadas nas compreensões mais amplas possíveis dos quadros globais, bem como das particularidades locais e circunstanciais.
Não vejo como se possa sequer tentar fazer algo assim sem a razão.
Ainda assim precisamos de um critério para decidir como queremos transformar o mundo. Mais uma vez, minha opinião sobre o que é um mundo ideal pode ser diferente da sua. Sob que critério podemos decidir quem tem os melhores ideais? E como eu afirmei no argumento anterior, em algum nível esses critérios têm que ser arbitrários, ou caímos em uma regressão infinita de critérios para critérios para critérios.
E como escolher qual conjunto de valores é melhor? Repetindo o que já disse acima, temos no máximo algumas restrições que nos foram impostas pela evolução - e elas mesmas não são racionais. O resto são outras escolhas a priori que fizemos... e que também não são racionais.
Não entendi.
Nossas escolhas morais têm que ter em algum nível um critério arbitrário, que não é justificável racionalmente. Como não existe um Deus para nos dar de graça um conjunto de critérios que ele garanta que podemos confiar, o melhor que nós temos para começar são as restrições da nossa própria biologia.
O princípio do "não matarás" já é uma boa escolha de ordem moral. Por que? Porque não queremos uma sociedade em que todo mundo mate todo mundo que cruzar sua frente; nossa espécie não sobreviveria assim. Qual é o critério da escolha moral aqui? Lógico que é a sobrevivência da espécie. Não por acaso, não fomos nós que estabelecemos racionalmente esse critério de sobrevivência da espécie, foi a natureza quem o forneceu para a gente.
Mas o critério de sobrevivência da espécie sozinho não basta para a complexidade das relações humanas. "Não matarás" pode ser excelente para as formigas, mas para nós ele é só o começo, precisamos pensar em outros critérios. Por exemplo, haver ou não haver propriedade privada? Usar ou não usar mão-de-obra escrava? Comer ou não comer carne? Permitir ou proibir o aborto? Vamos pegar a mão-de-obra escrava como exemplo: usar mão de obra escrava não nos ameaçaria de extinção, então ele passa com louvor pelo critério da sobrevivência da espécie. Sob esse critério em particular a escravidão não seria imoral. Mas, como eu disse, não podemos ter como critério somente a sobrevivência da espécie, nossa sociedade é muito mais complexa do que uma colônia de formigas.
E se a natureza não nos deu um critério que nos proíba de escravizar outros seres humanos, nós tivemos que inventar um: inventamos a moral revolucionária de que todos os indivíduos são iguais em direitos. Mas por que todos os indivíduos são iguais? Porque queremos uma sociedade que proteja o mais fraco do mais forte. E por que queremos uma sociedade que proteja o mais fraco do mais forte? Para não haver abusos. E por que não queremos que hajam abusos? Porque é errado. E por que é errado? Por quê? Por quê? Por quê? Inevitavelmente chegaremos ao fim dos por quês. O fim da linha é o tal critério arbitrário sem fundamento racional. Note que justificar a moral em termos das próprias consequências morais seria um raciocínio circular e inevitavelmente também seria uma escolha arbitrária.
Ou simplesmente percebendo consequências indesejáveis (e supostamente imprevistas) do exercício da moral até então vigente.
E qual o critério para determinar o que é desjável ou indesejável? Para mim poderia ser altamente desejável assaltar um banco.
Afinal, a moral não é um subconjunto da lógica pura, e sim uma disciplina aplicada que tem de ser calibrada pelos fatos concretos.
Como definir quais fatos concretos servem e quais não servem para fazer essa calibração?
Mas a origem dos motivos para mudá-los será sempre e necessariamente externa, já que estamos falando de moral e não de lógica abstrata. Portanto não importa se há ou não algum motivo interno (contradição ou outro) para mudá-los.
Algum motivo deve haver. Estou questionando se esse motivo será necessariamente racional.
Ao levar em consideração os impactos você já está supondo fins sociais econômicos, ecológicos e antropológicos que você considera bons e maus. Isso já é uma escolha arbitrária.
Arbitrária, talvez. Mas não aleatória, muito menos irracional.
Como algo que é arbitrário pode ser racional?
Sozinha, não pode realmente. Mas ela pode e deve servir para analisar as circunstâncias concretas e as relações de causa e efeito e avaliá-las.
Venci!!!
A razão é um meio para se chegar aos fins que você deseja, mas esses fins em si são arbitrários.
Ressuscitando o debate capitalismo x comunismo, para dar um exemplo, você poderia considerar como uma consequência desejável de seu modelo de sociedade a igualdade social; eu poderia preferir a liberdade econômica. Hoje nós já temos boas evidências empíricas de que o comunismo não dá muito certo, mas cem anos atrás esse dilema seria bem mais complicado.
Não sei se cabe uma comparação dessas, mas a solução para o dilema é a mesma nos dois casos: transcender o modelo e refiná-lo a partir do confronto com os fatos reais.
No caso do duelo capitalismo x comunismo há um claro vencedor. Por isso eu falei no debate há 100 anos atrás. Hoje os próprios comunistas deveriam reconhecer que ele não serve nem para atender ao seu objetivo de igualdade social, então não existe realmente um dilema igualdade social x liberdade econômica. Entretanto estamos insistindo mais uma vez na mesma coisa: como confrontar os modelos aos fatos reais, se duas pessoas têm ideias diferentes do objetivo a ser alcançado no confronto com os fatos reais? O que é o bem máximo para mim pode ser o mal máximo para você. A discussão do aborto, por exemplo, para mim um aborto pode ser o assassinato de um ser humano em desenvolvimento; para você pode significar a preservação do direito da mulher de decidir sobre o próprio corpo. Nós dois vamos olhar para o mesmo aborto e chegar a conclusões opostas. Por que? Porque fizemos escolhas morais diferentes e incompatíveis. Sob que critério dizer qual delas é melhor? E esse critério será baseado em que critério?
Se você não vê como isso seria um problema, experimente definir livro como um meio de transporte áereo inventado por Santos Dumont (ou pelos irmãos Wright) no começo do século passado.
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Você tem uma definição própria e bastante exótica de religião. Você fala azul e eu entendo azul, mas na verdade você quis dizer vermelhor. Com esse daltonismo ideológico fica difícil a gente se entender.