"De perto ninguém é normal."
O normal é não ser normal.
"Normal" é geralmente entendido com duas principais conotações: comportamento ou característica da maioria, ou sinônimo de saudável.
Ninguém é semelhante à maioria em todas as suas características e ninguém é perfeitamente saudável. De forma que, talvez não a bailarina, mas "procurando bem todo mundo tem porém".
Apesar de existir uma pressão social para que o indivíduo se adeque à norma, que não destoe da maioria, talvez a grande ironia seja o fato de que a maioria possa ser melhor definida como um grande conjunto de muitas minorias que se discriminam mutuamente.
Alguns pertencem ao conjunto da minoria dos homossexuais, outros dos transsexuais, mas ainda alguns são albinos, ou portadores de deficiência visual, ou gordos demais, ou bulímicos, ou muito altos ou baixotinhos. Há os que passaram dos 40 e ainda moram com os pais, os que passaram dos 30 e ainda são virgens, os que jamais irão se casar, e aqueles que já se casaram 15 vezes. Há quem colecione secretamente caixinhas de fósforo...
Praticamente todos se sentindo desconfortáveis perante os outros por conta de algo que não podem ou não querem mudar. O indivíduo se sente inadequado diante de outros que se sentem, por alguma qualquer razão, também inadequados diante dele! Certamente, neste universo de conjuntos de minorias do qual se constitui a maioria, o conjunto com o menor número de elementos é o de indivíduos integralmente ajustados, os que se sentem completamente normais. Este é o que mais foge à norma. Este é verdadeiramente anormal.
Há algo de fascismo em estabelecer normas e impor estes padrões à sociedade, ou pelo menos impor que as pessoas finjam seguir o padrão. Em um caso extremo como o da Alemanha nazista o Estado atribuiu a si a prerrogativa de definir o que seria não só uma sexualidade normal, mas também uma família normal, a filosofia normal, a ideologia normal, a normal união entre pessoas de mesma raça, a aparência normal, a literatura normal, a arte normal e até a arquitetura normal. Um regime pretendeu construir uma sociedade toda uniformizada pelos padrões de normalidade concebidos na mente perturbada de um único homem completamente anormal. Havia nos nazistas uma obsessão pela padronização dos indivíduos ( considerados menos importantes que o Estado ) que já se manifestava desde o início no fato dos membros do partido vestirem uniformes.
E na verdade um homem normal ( psiquicamente saudável ) é aquele que desenvolveu uma personalidade madura e por conseguinte tem menos interesse em se ajustar às solicitações do mundo do que em ajustar o mundo às suas próprias solicitações.
De modo que para sermos mais normais precisamos superar a insegurança imatura que nos faz tentar ser e parecer normais.
Da mesma forma que é difícil ser normal ( sadio ) tentando se adequar a padrões estabelecidos externamente ( a normalidade ), é mais difícil ser sadio ( normal ) em uma sociedade doente. Uma sociedade mais sadia está mais predisposta à tolerância e ao respeito das idiossincrasias de cada indivíduo.
A conclusão é que em uma cultura sadia esta é uma pergunta que não deve ser feita. Ou que não tem valor. É irrelevante se tal pessoa ou tal comportamento é normal, interessa é se a pessoa ou o comportamento é sadio. E podemos caracterizar como patológica qualquer condição ou comportamento que acarrete sofrimento para o indivíduo ou a coletividade.
Mas nesse ponto é preciso saber diferenciar o sofrimento que é causado pelo comportamento em si, ( ou pela condição em si ), e o sofrimento que é causado pelo sentimento de inadequação ou pela rejeição da sociedade. No primeiro caso a dor tem origem na patologia do próprio indivíduo, e no segundo é a sociedade não sadia que causa sofrimento à pessoa
Se uma criança fisicamente saudável sofre "bulling" na escola por ser gordinha, quem é que tem realmente o problema? Ela, ou uma sociedade que impele seus indivíduos a serem competitivos, que faz exigências excessivas de sucesso e estabelece que ser bem sucedido não tem relação com a auto-realização mas sim com a imagem que os outros devem ter de você?
Essa mentalidade fútil e competitiva é que faz com que um jovem imaturo se sinta impelido a forjar sua própria auto-estima humilhando um colega mais vulnerável, pela necessidade de ser visto pelo grupo como superior ou dominante. E se lhe faltam qualidades intrínsecas de destaque e liderança ele mimetiza perante o grupo estes atributos pelo expediente de parecer superior e dominante em relação ao coleguinha que está sendo vítima do "bulling". Ou seja, praticar o "bulling" é uma forma de neurose, que eventualmente será causa de outras neuroses e traumas para as vítimas deste tipo de comportamento.
Quer dizer, para a vítima a neurose é consequência. Mas para o agressor a neurose é a causa.
Portanto, para avaliarmos o quanto um indivíduo transgênero é ou não sadio, temos que levar em consideração o quanto ele estaria confortável com a sua própria condição se não tivesse que viver em um ambiente social patológico de hostilidade neurótica, irracional e automática, a qualquer coisa que pareça um desvio do padrão.
1 Homossexualismo - É normal tanto no sentido de ser frequente, um comportamento relatado em todas as épocas e culturas, assim como em centenas de outras espécies de animais, como também no sentido de não ser patológico. De não ser, por si mesmo, causa de nenhum transtorno para o indivíduo e nem para a sociedade.
2 Pedofilia - Talvez seja normal no sentido de não ser uma condição rara. Porém imagino que sentir atração por crianças que ainda não apresentam sinais dos caracteres sexuais deva ser bem menos comum, embora eu não tenha dados sobre isso. Não é patológico enquanto a fantasia não se transforma em prática. Seduzir ou forçar crianças para satisfazer seus impulsos sem se importar com as consequências para a própria criança é doentio. Também é patológico alguém não ser capaz de se controlar para não praticar atos que ele sabe que são danosos a outros seres humanos.
3 Zoofilia - Duvido que seja tão comum quanto o homossexualismo e a pedofilia, portanto menos normal. Me lembro de uma mulher que disse ter tido fantasias com um gorila que ela viu o zoológico. Fantasias não são patologias e raramente as pessoas tentam ou realmente querem realizar a maioria das suas fantasias.
4 Necrofilia - Eu chutaria que não é nada comum, portanto anormal. É natural e saudável ao ser humano ter empatia com outros seres humanos. Por isso a morte de nossos semelhantes nos causa desconforto e a visão de um cadáver não deve ser uma experiência agradável. No necrófilo esse desconforto não existe, o que talvez seja condição patológica, possivelmente indício de uma personalidade psicopata. Nesse caso talvez associada com uma incapacidade de estabelecer relações saudáveis com outras pessoas ( vivas! ). Portanto pode não ser uma anormalidade ( doença ) em si mesma, mas uma consequência do indivíduo já ser portador de outras anormalidades ( patologias ).