Luis Souto, respeito sua análise mas discordo. No meu entender, a causa profunda da onda de protestos foi a insatisfação antiga da população com o governo, os partidos políticos, os serviços públicos e a corrupção. Essa insatisfação nunca se materializava em atos, pois não havia uma fé muito grande nessa possibilidade e nem disposição e exemplos para tal.
As redes sociais possibilitaram, pela primeira vez, um meio do povo se comunicar e se informar sem depender da grande imprensa, de partidos políticos ou de outras organizações (ex: sindicatos, igrejas, etc).
Com os meios técnicos disponíveis, faltavam os motivos e o estopim. As peripécias recentes dos políticos brasileiros no âmbito da corrupção aumentaram ainda mais o já altíssimo descrédito da classe política. Os políticos (parlamentares principalmente) deixaram de se envergonhar de seus atos imorais, defendem abertamente seus colegas de maracutaia e chegam a propor medidas absurdas para evitarem ser punidos (Ex: a PEC 37). Junte-se a isso a degradante situação dos serviços públicos (saúde, educação e a segurança), a explosão da criminalidade e da impunidade a criminosos, a coragem crescente dos bandidos (que agora matam mesmo quando a vítima não reage), etc. Enfim, a coisa chegou num patamar inédito de sensação de impunidade e insegurança.
O estopim foi a forma violenta como os protestos pela redução da tarifa foram reprimidos, e a repercussão nacional e internacional das imagens dessa repressão. Usando as redes sociais, as pessoas foram encorajarando-se mutuamente a irem às ruas. Isso criou uma bola de neve, encorajando cada vez mais pessoas, o que aumentou a repercussão e mais gente aderiu. Um sentimento de orgulho e "vingança" contra a classe política tomou conta do povo, e a vontade de fazer farra nas ruas também (juntou-se o útil ao agradável). Temos o quadro atual à partir disso.
E eu respeito sua discordância mas discordo dela
Se formos mensurar a idade da insatisfação para saber quão antiga é ela se estende bem antes dos governos Lula e Dilma. E foi justamente esta insatisfação que permitiu o crescimento do PT como alternativa viável e levou a eleição de Lula em 2002. O PT sempre , desde sua fundação , denunciava o paternalismo , o clientelismo , se propunha como uma " nova forma de fazer política". E quem militou no partido na dácada de 80 sabe que esta realmente era a perspectiva de quem estava nas bases , nos núcleos.
Que o PT era uma alternativa real fica demonstrado pelo fato de ter sido sempre a segunda opção mais votada nas eleições presidenciais mas a opção da direção do PT em garantir
de qualquer forma sua chegada ao Planalto significou deixar a "maneira petista de governar" como slogan vazio e fechar o arco de alianças conservador instaurando o "lulo-petismo".
Quem está na rua hoje , em sua imensa maioria , era criança em 2000-2002 e só conhece o PT da auto-propaganda e da propaganda contra. Só conhece o PT como a esquerda no poder há 11 anos que faz muitos discursos mas cuja prática não só desmente os objetivos declarados mas atua contra eles. Só conhece um partido de esquerda demagógico , fisiológico.E eles ouviram pais , mães , tios que votaram em Lula por esperança de mudança tornarem-se críticos da fraude a que foram submetidos.
A perda da legitimidade do PT foi consagrada com o resultado do julgamento do mensalão e com o fato de que os militantes condenados não só não estão presos como fotam absolvidos pelo partido e mantem seus cargos mesmo no parlamento.
A causa profunda da revolta atual , repito , é a falência do lulo-petismo em manter sua política contraditória de alimentar o lobo (sempre voraz) sem deixar morrer a ovelha (mas em desnutrição crônica) , de administrar as contradições através da cooptação/domesticação dos movimentos populares , e de ser incapaz de ser reconhecido como representante daqueles que foram criados sob seu período de governo e agora estão maduros para protestar. A insatisfação se torna crescente não só porque cresce o número daqueles com acesso á informação mas também pela incapacidade do sistema atender às demandas , porque um número cada vez maior não vê perspectivas de melhora das condições de vida ( entendido como acesso a sistema de saúde eficaz , transporte público satisfatório , etc..) apesar de saberem que estão ou estarão contribuindo com seu trabalho e impostos para a riqueza do país.
Exemplos não faltaram para saber como ir para a rua protestar , durante todo o período PT não faltaram manifestações de rua e movimentos reivindicatórios , mesmo minoritários.
A insatisfação antiga , fluida e latente , deixou de poder ser administrada como antes e bastou um estopim para ser desencadeada nas ruas.
O uso da internet atraves das redes sociais facilitou a expansão do movimento bem como permite uma organização descentralizada dos atos e a repressão policial serviu para espalhar a indignação , foram fatores que determinaram a
velocidade com que o movimento se espalhou mas não determinaram a
capacidade de se propagar.
E retornando ao meu ceticismo o calcanhar de aquiles do movimento é justamente a sua espontaneidade. Movimentos espontâneos se esgotam mais cedo ou mais tarde se não houver uma agenda de reivindicações especificas pela qual lutar. E reivindicações específicas são elaboradas por agrupamentos políticos organizados ( sejam eles partidos , movimentos , entidades de classe ou categoria...).
E vamos constatar alguns fatos:
Estas reivindicações específicas já existem e precedem a revolta atual. São as proposta pelas entidades de esquerda não ligada ao governo. Isto não é uma defesa mas uma constatação. A esquerda ligada ao governo ( PT, PC do B, etc...) não tem qualquer proposta que não seja a manutenção do essencial do sistema político , tributário , etc... atual com meras mudanças cosméticas. Os que se colocam a direita do governo ( DEM , PSDB , etc..) menos mudança ainda querem. Quanto ás entidades de direita distintas dos partidos tradicionais a única proposta alternativa é sonhar com golpes de Estado e fechamento do Congresso à la Fujimori. Se alguem conhece uma exceção agradeceria que apresentasse.
Não estou entrando no julgamento do mérito ou da viabilidade das propostas do PSOL , PSTU e etc... quanto à reforma tributária , reforma política e outras. Estou simplesmente constatando que a mesmas bandeira de crítica aos politicos , ao governo , ás politicas publicas já eram feitas por estas organizações muito antes de qualquer das pessoas que gritam irritadas ao ver uma bandeira partidária na manifestação ter sequer pensado em botar o pé na rua para protestar.
O movimento é apartidário mas querer transformá-lo em anti-partidario é proto-fascismo , é defender o rebaixamento de bandeiras politicas de transformação à mera indignação moral e querer fazer do ufanismo /nacionalismo uma plataforma política. Dizer que todos os partidos são iguais , além de óbvia falsidade , é uma forma de não distinguir quem é quem , quem está do mesmo lado e quem está contra. É deixar caminho aberto à despolitização, ou pior , à demagogia.
Quem não gosta ou não concorda com as proposta do PSOL , PSTU , PCO , MPL e etc.. para conquistar as reivindicações que
todos estão fazendo nas ruas então organize-se e elabore sua alternativa.
Porque o movimento espontâneo vai terminar e quem se organizou vai continuar.