O G20 e as soluções convencionais para a desaceleração globalMichael Roberts
Foi desanimador o encontro que reuniu, no último final de semana, os ministros das finanças das vinte maiores economias do mundo em Xangai, na China. Antes do encontro, o FMI apresentou um quadro sombrio da situação da economia global. No relatório Global Prospects and Policy Challenges, os economistas do FMI alertaram que reduziriam, novamente, suas previsões para o crescimento econômico global em 2016.
Durante o encontro, foram apresentados os dados relativos ao comércio mundial em 2015, mostrando a maior retração desde a Grande Recessão de 2008-9. Segundo o Observatório de Comércio Global do Serviço Holandês de Análise de Politica Econômica, o valor em dólares das mercadorias que cruzaram fronteiras internacionais no último ano caiu 13.8% – a primeira contração desde 2009.
[Legenda: Comércio global medido em valor, em bilhões de dólares.]
O índice Baltic Dry, que mede o comércio global de mercadorias a granel (bulk commodities), está se aproximando dos seus níveis históricos mais baixos. A China, que desde 2014 ultrapassou os Estados Unidos como o país de maior comércio no mundo, declarou quedas de dois dígitos referentes a janeiro tanto em suas exportações, quanto em suas importações. No Brasil, país que passa agora por sua pior recessão em mais de um século, as importações chinesas colapsaram. Segundo a maior empresa de frete marítimo do mundo, a Maersk Line, as exportações chinesas enviadas por containers para o Brasil, incluindo desde carros até têxteis, caíram 60% em janeiro, comparadas com o mesmo mês de 2015, enquanto as importações via containers caíram pela metade, naquela que é a maior economia da América Latina.
Quando medido em volume, a situação não é tão sombria, com o comércio global crescendo 2,5%. Mas tal crescimento ficou abaixo do crescimento econômico geral, de 3,1%, corroborando uma tendência depressiva na economia global. Antes da crise de 2008, o comércio mundial cresceu por décadas a taxas até duas vezes maiores que a da produção global. Entretanto, desde 2011 o crescimento no comércio desacelerou, mantendo-se no nível, ou mesmo abaixo, do crescimento geral da economia mundial[1], o que levantou dúvidas sobre a possibilidade da globalização, tão característica das últimas décadas, ter chegado ao seu teto.
E, se a China for excluída, as economias do assim chamado mundo em desenvolvimento estão crescendo agora mais lentamente que as do mundo desenvolvido pela primeira vez desde 1999. Os mercados emergentes, excluindo a China, geraram um crescimento da produção de apenas 1.92% no último ano, de acordo com dados do FMI, isto é, abaixo mesmo do hesitante crescimento do mundo desenvolvido, onde a produção subiu 1.98%.
[Legenda: Mercados emergentes (EM), sem a China, crescendo agora mais lentamente que o mundo desenvolvido. (Variação percentual anual). Economias avançadas, economias emergentes, economias emergentes sem a China.]
Este desempenho ruim dos mercados emergentes frente aos países desenvolvidos é ainda mais marcado em termos de produção per capita, pois o crescimento populacional é mais rápido nos primeiros. De fato, o último censo no Japão mostrou que o país perdeu um milhão de habitantes nos últimos dez anos.
Um economista do Citibank comentou:
“Isto é o que se chama de falta de convergência. Teoricamente, os mercados emergentes deveriam estar crescendo mais rapidamente que os desenvolvidos, se aproximando destes, mas eu penso que o mundo emergente está provavelmente passando por um pouco de recessão agora… O futuro de bilhões de pessoas dependerá de saber se esta reversão da tendência à convergência se mostrará um acidente de percurso, ou se a performance vigorosa dos países emergentes de 2000 a 2014 se revelará como uma anomalia”.
Por outro lado, como argumentei anteriormente em meu blog[2], não podemos confirmar uma nova queda econômica global a não ser que a economia dos Estados Unidos também comece a se contrair. O que não está acontecendo ainda. Nos dados do último trimestre de 2015, o PIB real dos Estados Unidos cresceu a um ritmo anual de 1%, fechando um crescimento para 2015 de 2,4%, similar ao resultado do Reino Unido. Mas o crescimento norte-americano está desacelerando, devido à diminuição do ritmo do investimento privado e às perdas no comércio exterior.
O quadro não é bom. Como economistas do Citibank puseram[3]:
“É provável, em nossa visão, que o crescimento global seja fraco novamente este ano, e o risco de uma recessão do crescimento global (crescimento abaixo de 2%) é grande e está crescendo. Se a economia norte-americana esmorecer, será difícil identificar qualquer outra grande economia que poderia servir de motor de crescimento para o mundo a curto prazo. E a previsão de crescimento nos Estados Unidos em 2016 já caiu de 3.0%, em janeiro de 2015, para 2.0% mais recentemente.”
O FMI, em seu G20 Surveillance Note, concluiu que “há pouco espaço para complacência agora. Governantes (policymakers) podem e devem agir rapidamente para estimular o crescimento e planejar contenção de riscos. Igualmente urgente é a coordenação de medidas pelo G20 em uma forte resposta. O G20 deve planejar agora e identificar proativamente políticas que possam ser postas em ação rapidamente, se os riscos de queda econômica se materializarem.” No encontro do G20, o diretor do Banco da Inglaterra (o mais bem pago diretor do mundo), Mark Carney, declarou que “a economia global corre o risco de ficar presa numa situação de equilíbrio de baixo crescimento, baixa inflação e baixa taxa de juros.” Os ministros do G20 fizeram esforço para parecerem confiantes em seu comunicado conjunto: “A recuperação global continua, mas se mantém desigual e aquém de nosso desejo por crescimento forte, sustentável e balanceado.”
Então qual a saída para esta desaceleração global que ameaça se converter em nova recessão? A busca por novas medidas de política econômica para evitar nova queda já se iniciou. Bancos centrais têm zerado as taxas de juros para encorajar empresas e indivíduos a pegarem mais dinheiro emprestado, dinheiro tem sido emitido e dado aos bancos (quantitative easing) e, agora, estamos vendo taxas de juros negativas (cobrando encargos dos bancos que não emprestam seu dinheiro para a economia real). Mas estas medidas não estão funcionando[4].
De fato, no encontro do G20 o diretor Carney, do Banco da Inglaterra, despejou água fria[5] sobre a solução oferecida por vários bancos centrais para a desaceleração, as taxas de juros negativas. Estas ações dos bancos centrais de determinar as taxas de juros abaixo de zero podem criar um ambiente de “meu pirão primeiro” (beggar thy neighbor), que poderia aprisionar a economia global em crescimento baixo. Taxas negativas de juros significam que clientes de fato pagam uma tarifa para deixarem depositado dinheiro nos bancos, então cidadãos japoneses estão começando a acumular ienes, de acordo com o Wall Street Journal[6], e precisam de algum lugar para guardá-los. A venda de cofres duplicou desde o ano anterior na cadeia de lojas Shimachu, de acordo com o Journal. Já se esgotou nas lojas um modelo, custando 700 dólares. Outros poupadores consideram lugares menos convencionais. “Em resposta à taxa negativa de juros, pessoas idosas pensam em guardar seu dinheiro embaixo do colchão.” Então, as pessoas estão guardando seu dinheiro, ao invés de gastá-lo.
O G20 pondera: “Políticas monetárias vão continuar apoiando a atividade econômica e garantindo a estabilidade dos preços… mas política monetária sozinha não pode conduzir a crescimento balanceado.” E, como os economistas do FMI disseram: “política monetária acomodativa, ainda que muito necessária, não basta. É necessário uma abordagem compreensiva, que inclua política fiscal (onde há espaço para tal) e redução do endividamento (balance sheet repair).”
Se nada for feito, uma nova crise financeira global é inevitável, e, sem reformas, é provável que aconteça logo, de acordo com o antecessor de Carney, o antigo diretor do Banco da Inglaterra, Mervyn King, ao promover seu novo livro (“O fim da alquimia, a economia global e o futuro do dinheiro”). King, que era diretor quanto o sistema financeiro mundial quase colapsou em 2008-09, disse que somente repensando desde os fundamentos o sistema monetário e bancário seria possível evitar uma nova crise. “Sem reforma do sistema financeiro, outra crise é certa, e o fracasso… em atacar o desequilíbrio na economia mundial torna provável que não demore a acontecer.”
A opinião majoritária no Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) não é tão pessimista. O vice-presidente Stanley Fischer ainda espera que economia americana se acelere[7]. Fischer declarou:
“Se os recentes desenvolvimentos no mercado financeiro conduzirem a uma deterioração durável das condições financeiras, eles podem apontar uma desaceleração do crescimento global que poderá afetar o crescimento e a inflação nos Estados Unidos. Mas temos visto outros momentos similares de volatilidade nos anos recentes – incluindo a segunda metade de 2011 – que deixaram poucas marcas visíveis na economia, e é ainda cedo para julgar as ramificações do aumento da volatilidade dos mercados nas primeiras sete semanas de 2016.”
Seria, então, um erro promover uma taxa de juros negativa nos Estados Unidos. “A política monetária deve buscar evitar tais riscos e manter a expansão num caminho sustentável.”
De todo modo, as previsões de catástrofe entre economistas e governantes estão ficando mais fortes. Se fala agora então em “dinheiro de helicóptero” (dar dinheiro às famílias para que gastem) e/ou estímulo fiscal (maior gasto governamental e corte de impostos). Eu comentei antes sobre a natureza do “dinheiro de helicóptero”[8], batizado assim a partir da ideia originalmente promovida pelo economista monetarista Milton Friedman e seu discípulo, o antigo presidente do Federal Reserve Ben Bernanke, de que autoridade monetárias poderiam simplesmente despejar pilhas de dinheiro de helicópteros para serem gastas. O dinheiro (literalmente!) caído do céu levaria a um grande aumento na demanda dos consumidores, o que mobilizaria vendas, salários e lucros. Esta ideia, que, evidentemente, seria implementada por depósitos nas contas bancárias dos cidadãos, ganhou maior peso quando Adair Turner, antigo chefe da autoridade regulatória do Reino Unido, a promoveu em seu livro “Entre a dívida e o diabo”.
Esta “solução” é agora promovida como a última cartada por pessoas como Martin Wolf[9] e Gavyn Davies, os colunistas keynesianos do Financial Times britânico. Temos um argumento similar dos assessores da campanha presidencial de Bernie Sanders nos Estados Unidos[10] (e também dos assessores da oposição trabalhista de Corbyn e McDonnel no Reino Unido[11]). Dê dinheiro diretamente ao povo e isto estimulará a demanda dos consumidores, e a economia dará um salto para frente pois há uma grande demanda reprimida pronta a ser liberada.
Esta abordagem vem da premissa keynesiana que o que há de errado com as economias capitalistas neste momento é que existe uma “crônica falta de demanda”. Como Martin Wolf explica: “Por trás de isto tudo há uma simples realidade: o excesso de poupança – a tendência à poupança desejada crescer mais do que o investimento desejado – está aumentando e, portanto, a ‘síndrome crônica de deficiência de demanda’ está piorando.” O problema com o capitalismo agora seria que “a demanda também está fraca em comparação com um crescimento desacelerante da oferta. No plano mundial, o crescimento da oferta de trabalho e da produtividade do trabalho caiu de forma aguda desde a metade da última década. Um crescimento menor do potencial de produção por ele mesmo enfraquece a demanda, pois diminui o investimento, sempre um motor importante do gasto numa economia capitalista.”
Portanto, uma demanda fraca causaria investimento menor, que, por sua vez, causaria crescimento menor. Mas é mesmo esta a ordem de causalidade? Em meu blog, eu argumentei de forma consistente com as evidências que a premissa keynesiana é errada: a falta de demanda agregada numa economia nacional ou global é o resultado de uma desaceleração ou de uma queda, não a causa. A queda vem do colapso no investimento (especialmente do investimento privado) e isto ocorre quando não é mais lucrativo investir. Quem escolhe a música é o lucro, não a “demanda”.
Recentemente, Alan Freeman, também um economista marxista como eu, apresentou um artigo[12] defendendo que Marx e Keynes teriam muito em comum na suas análises econômicas das crises no capitalismo e nas prescrições de política econômica para combatê-las (senão na política em geral). Bom, eu discordo. Não creio que as ideias teóricas de Keynes e Marx possam ser fundidas. No meu blog, enfatizei as diferenças econômicas[13], assim como neste artigo[14].
A questão-chave agora na desaceleração global é a análise keynesiana de que o problema é a falta de demanda agregada, e de que um aumento no gasto público poderia evitá-la, por meio do multiplicador de demanda keynesiano. Mas a análise marxiana diz que é a lucratividade do investimento que é decisiva nas economias dominadas pelo capitalismo, e que é o multiplicador marxista da lucratividade[15] que é capaz de resolver esta situação. O problema da última solução é que a lucratividade somente pode ser restaurada pela destruição de valor, paralisando investimento, liquidando antigo capital e lançando milhões no desemprego. Esta é a contradição do capitalismo que Keynes não reconheceu, assim como todos os economistas ortodoxos[16].
Este é o motivo pelo qual o plano de Bernie Sanders, admirável em seu intento de prover empregos, salários e serviços públicos, incluindo saúde e educação, não irá ser bem-sucedido sob o capitalismo. Um apoiador de Sanders, o economista americano Gerald Friedman, causou comoção entre economistas tradicionais quando defendeu que “as políticas propostas pelo senador Sanders resultariam em crescimento anual da produção de 5.3% pela próxima década, com uma média de geração de empregos perto de 300,000 por mês. Consequentemente, a produção em 2026 seria 37% maior, e o emprego, 16%, do que seriam sem estas políticas”[17].
A ideia é que impulsionar a demanda com gasto governamental e aumentar os salários significativamente traria crescimento sustentável que pagaria por si mesmo. Esta ideia até mesmo ganhou apoio de um antigo diretor regional do Federal Reserve, Narayana Kocherlakota. Ele considera que o crescimento dos Estados Unidos poderia ser muito maior que as taxas medíocres projetadas para os próximos anos. Ele sugere que a economia norte-americana poderia crescer entre 4 e 5% por ano pelos próximos quatro anos, mesmo se o crescimento (total) de produtividade não se recupere. “Neste perfil alternativo, [capital, trabalho e produção econômica] seriam [todos] (um pouco mais de) 10% maiores do que atualmente é projetado para 2020”[18].
Conseguir isto envolveria aumentar salários e taxas de juros, ele diz, mas somente até “níveis historicamente normais”. Então, dê às pessoas mais salários para que gastem mais e a demanda irá explodir. Há muita ociosidade na economia dos Estados Unidos: pessoas sem emprego e empresas prontas a investir. De fato, maiores salários forçariam empresas a investir em novas tecnologias para poupar trabalho e promover crescimento da produtividade, que atualmente repousa em baixa recorde.
Os argumentos de Friedman foram submetidos a uma crítica clinicamente precisa pelos economistas ortodoxos Christine e David Romer[19]. Seu principal argumento é que impulsionar a demanda na maneira como Sanders e Friedman defendem não resultaria em crescimento, porque a economia capitalista não teria esta “lacuna de demanda” (demand gap) e a “capacidade produtiva” da economia dos Estados Unidos estaria fraca demais. Em outras palavras, a economia capitalista dos Estados Unidos só poderia crescer a 5% por ano em termos reais pelo futuro previsível se fosse capaz de expandir investimentos e aumentar a produtividade do trabalho pelos próximos dez anos. E um aumento da demanda não poderia promover isso. Claro, os dois Romer não apresentaram nenhuma alternativa à sua crítica das propostas de Sanders.
De todo modo, governantes de todo o mundo estão se recusando a lançar tais programas de gasto fiscal, mesmo que o gasto com infraestrutura na Europa e nos Estados Unidos esteja no ponto mais baixo dos últimos 30 anos, e pontes, estradas e ferrovias estejam desabando a olhos vistos. De acordo com o relatório de 2013 da Associação Americana de Engenheiros Civis, os Estados Unidos precisam seriamente investir mais de 3.4 trilhões de dólares até 2020 em infraestrutura, incluindo US$1.7 trilhão em estradas, pontes e trânsito, US$736 bilhões em eletricidade e energia, US$391 bilhões em escolas, US$134 bilhões em aeroportos, US$131 bilhões em hidrovias e projetos relacionados. Mas o investimento federal em infraestrutura caiu pela metade nas últimas três décadas, de 1% do PIB para 0,5%.
Por que governos se recusam a introduzir tais políticas de maneira significativa? Bem, porque gasto governamental significa mais impostos sobre o setor empresarial e/ou sobre domicílios, ou então significa aumentar o endividamento do setor público quando este já está em níveis recordes. E significa a intervenção do Estado no setor capitalista justamente quando a lucratividade está em queda[20].
Soluções monetaristas para a desaceleração global já falharam, as soluções fiscais keynesianas não está sendo aplicadas nem funcionariam a longo prazo, de qualquer maneira. A única saída é outro colapso.
http://blogjunho.com.br/o-g20-e-as-solucoes-convencionais-para-a-desaceleracao-global/