Não se tem motivos pra supor que ele fosse.
Sobre ele próprio, não há prova registrada de sua iniciação. Mesmo ele sendo acusado como iniciado pelo próprio Papus, estou inclinado a acreditar que o próprio Kardec não tinha nenhuma iniciação mística em si, apesar de ter estudado o mesmerismo e ter se cercado de esoteristas e maçons. Tanto os precursores (Mesmer e Swedenborg) quanto a primeira geração de líderes espíritas (Flammarion, Dénis, etc) eram abertamente iniciados. Já o pentateuco espírita, ele próprio, parece ter um viés muito mais positivista do que místico, rejeitando os símbolos, mitos e rituais em prol de uma suposta fé racional, o que considero justamente o defeito e contradição do espiritismo. A obra "Socialismo e Espiritismo", de Dénis, deixa clara a ligação entre a ideologia espírita francesa e o pensamento progressista do socialismo utópico da época. A intenção de Kardec, que era pedagogo, me parece ter sido a de criar um cristianismo deísta e "racional", convergente com o novo espírito científico e progressista da época, ante a visão de um desmoronamento das instituições tradicionais religiosas diante das mudanças sociais, científicas e industriais na Europa. O livro "Depois da Morte", de Dénis, que era iniciado, demonstra do início ao fim um teor muito diferente do próprio Kardec. No Dénis, há o tempo todo o uso das imagens, dos símbolos, das alegorias e da referência às tradições ocidentais e orientais. Kardec parece, pelo contrário, estar tentando se desvencilhar de tudo isso, para tornar sua religião o menos mística possível. O resultado disso, para mim, é intrinsecamente falho. Acredito que cada coisa deva estar em seu lugar. O que pertence ao reino da consciência objetiva, deve permanecer no reino da consciência objetiva. O que pertence ao reino do abstrato e interior, deve permanecer no reino do abstrato e interior. Dessa forma é possível ser místico e cético ao mesmo tempo, confiando a cada dimensão da mente seu próprio alimento e necessidades. Já pela via proposta por Kardec, não se pode ser nem verdadeiramente místico e nem verdadeiramente cético, e o crente se vê compelido a se autoafirmar e se posicionar como vanguarda para tentar justificar o injustificável (tomar intuições espirituais por revelações científicas).