Nunca tinha visto essa terminologia de instrumentos tidos como "autorais", embora, como deve ter sido com a maioria das pessoas, já conhecesse a noção por trás desse diferencial do violeiro, como falarem de "um Stradivarius", exemplo mais clássico.
"Autor", tanto ou talvez mais que "artista", tem a conotação de criação não apenas "técnica", mas algo mais criativa, original. Então um "instrumento autoral" nesse sentido mais corrente do termo teria sido o theremin do Theremin, e não qualquer instrumento não-original confeccionado com excelência por um indivíduo.
Fala-se também de instrumentos plagiados, mas não falsificações?
A princípio se poderia usar apenas o termo "artesanais" para diferenciá-los dos modelos de fábricas. O problema é que há um terceiro método de produção que também é artesanal, mas substancialmente diferente do modo de produção autoral, que é a fabricação em oficinas. Essas oficinas são linhas de produção onde há um luthier responsável pelo projeto e gerenciamento da fabricação, mas ela ocorre em etapas e cada uma delas é feita por um funcionário diferente (que não é luthier, é apenas treinado para realizar uma tarefa específica). Um faz o corte das madeiras, outro faz o lixamento, outro a colagem, outro a escultura da voluta, etc. e cada funcionário domina apenas sua parte do processo, fazendo com que o instrumento não tenha um autor, mas um grupo de "autores". A qualidade desses instrumentos é significativamente mais baixa do que a dos os instrumentos autorais, onde o mesmo artesão faz desde o projeto até a execução de todas as etapas, por isso é necessária a diferenciação entre violinos autorais, violinos artesanais de oficina e violinos de fábrica. Essa diferenciação foi tida como tão necessária pelos luthiers que quando surgiu esse terceiro modo de produção eles até mesmo pararam de chamar seus locais de trabalho de oficinas e passaram a chamá-los de ateliês, para se diferenciar.
Além disso, não é correto dizer que o trabalho do luthier se resume à execução técnica do projeto. Há várias decisões de caráter artístico, como a técnica usada para passagem do verniz (exemplo: a escola italiana defende a passagem do verniz com pinceladas, enquanto a escola francesa defende que deve-se passar o verniz com um chumaço de estopa envolto em algodão, e isso é alvo de sérias discussões), a escultura da voluta e o desenho do furo da caixa de ressonância (aquele desenho que parece uma letra "f"). O "f" é quase que uma assinatura do luthier, e uma pessoa bem treinada consegue identificar o autor de um instrumento só olhando para ele. Ano passado um luthier amigo meu conseguiu descobrir um falsário quando viu um cara vendendo um violino como sendo de autoria própria, mas ao olhar o instrumento reconheceu que o "f" era característico de um luthier que ele conhecia. Também tem as receitas de preparação de verniz, que são geralmente secretas e cada luthier tem a sua.
Quanto às cópias, elas são bem comuns e são mais entendidas como homenagens do que como plágio. Ter um instrumento copiado é um grande símbolo de reconhecimento para um luthier. Boa parte dos trabalhos de luthiers são cópias, que basicamente consistem em produzir um violino utilizando a mesma planta e as mesmas técnicas de um anterior, geralmente algum instrumento italiano ou francês do século XVIII ou XIX. As cópias feitas pelos melhores luthiers atuais chegam a ser melhores que os originais em testes objetivos, embora haja certa resistência em admitir isso devido ao tradicionalismo. Não existe nenhum problema quanto a isso, a não ser obviamente, que o autor tente vender sua cópia alegando se tratar do instrumento original, o que seria estelionato.
Infelizmente no Brasil seguramente a imensa maioria dos instrumentos artesanais são falsificações. Geralmente são instrumentos de oficina, do tipo que mencionei no primeiro parágrafo e que poderiam ser vendidos honestamente nessa condição, mas são colocados à venda como sendo instrumentos autorais. Alguns avacalham tanto que até tentam vender esses instrumentos como sendo peças legítimas de luthiers antigos dos séculos XVIII e XIX, usando certificados falsos de autenticidade. Ainda hoje é comentada a história (verídica) de um ator da Globo que pagou 30 mil reais em um instrumento alegadamente de um autor italiano contemporâneo de Stradivari, sem saber que o autor nunca existiu, era apenas um nome italiano inventado ao acaso.