Eu ontem fui olhar a lista de passageiros, com nomes, ocupação e o motivo da viagem e fiquei sem sono!! Famílias inteiras! Pai, mãe, filho e filha voltando de férias em Gramado! Outro pai, outra mãe e outra menina de uns cinco anos, DESTRUÍDOS para sempre! E por aí vai!
Sim, é claro que a quantidade de mortes em acidentes de trânsito terrestre é e sempre será bem maior, muito embora esses dois acidentes brasileiros tenham feito um impacto horripilante nas estatísticas, mas realmente a quantidade de mortos de uma vez só é um dos elementos que choca, junto com o fato de que os passageiros dos vôos eram pessoas da mesma classe econômica que nós, que tem Internet rápida, gravador de cds, renda pessoal boazinha, uma grande parte é branca, etc!! Nenhum de nós está acostumado a ver MORTALIDADE COLETIVA de gente igual a nós! Eles não eram romeiros, retirantes nem nada disso, eram empresários, profissionais liberais, seus adolescentes e suas crianças!
Esse acidente me perturbou muito, eu fiquei pensando em como a gente acha que vai viver pra sempre, como deixamos de viver uma coisa hoje porque podemos vivê-la amanhã, como deixamos de consertar um erro hoje porque podemos fazê-lo amanhã, deixamos de fazer uma coisa que queremos hoje porque podemos fazê-la amanhã... provavelmente JAMAIS passou pela cabeça de nenhuma daquelas pessoas que o fim de suas vidas seria em um avião da TAM em um vôo doméstico e corriqueiro, com destino à maior metrópole do país!! É impressionante quando a gente se dá conta em ocasiões como essa que NADA garante que eu vou estar vivo amanhã pra postar aqui, nada!! Nenhum de nós!!
Eu fiquei pensando, se eu tivesse morrido nesse avião, minha vida teria valido a pena?? O que é que eu estou fazendo com ela?? E as vidas de todas aquelas pessoas, será que se fossem dadas oportunidades a cada uma delas de julgar as próprias vidas, elas estariam satisfeitas com suas trajetórias?? O que eu teria feito diferente? Se estou vivo e com saúde, o que ainda POSSO fazer diferente antes que minha hora chegue, esteja eu esperando ou não? No filme Num Lago Dourado, a Katharine Hepburn diz sobre uma vizinha lésbica que morre aos 97 anos: she had a good full life. Se eu tivesse sido desintegrado no avião da TAM, NINGUÉM poderia dizer sobre mim he had a good full life, e isso é que me assusta! De quantas daquelas pessoas mortas poderia-se dizer que had a good full life?
Não sei se é só comigo, mas essas coisas me fazem pensar muito. Nossa, bem ou mal, feliz ou infeliz, como é BOM estar vivo e não ser um pedaço de matéria orgânica carbonizada até os ossos!! Um dia isso vai acabar, seja comigo virando um pedaço de carvão ou por outro modo, mas VAI acabar, então talvez seja o caso de tomar consciência disso e repensar algumas atitudes e posições em relação à vida! Eu passo tempo demais na Internet lendo e postando em fóruns e grupos virtuais, Orkut e conversando no MSN, e tudo isso parece uma imbecilidade frente ao pensamento da morte! Quantas vezes eu FUDI? Quantas coisas diferentes eu PROCUREI conhecer e viver? Com quantas pessoas diferentes eu PROCUREI conversar? O que eu APRENDI? Eu sou FELIZ? Essas coisas que me vêm à mente pensando numa massa de toneladas de cimento, ferragens, corpos humanos, não quanto tempo eu passei na Internet me irritando com gente do Clube Cético ou do Religião É Veneno!!
Desde a queda do avião, me toquei do QUANTO sou mau-humorado e, em razoável parte do tempo, infantil, mesquinho e infeliz! POR QUÊ, se sou saudável e até me acho inteligente?? No final das contas, a vida é tão boa! Deve ser por isso que fiquei muito emocionado quando terminei essa semana o livro Laços de Ternura e no funeral da filha da protagonista, que morre de câncer, li esse diálogo:
- Ela, com frequência, me fez sentir ligeiramente ridícula. (...) De alguma forma, ela simplesmente produzia esse efeito. Talvez fosse esse o motivo por que eu era uma crítica tão implacável dela. Na verdade, acho que sou.
- Sou o quê?
- Sou ligeiramente ridícula - repetiu Aurora, lembrando-se da filha. - Talvez eu achasse que ela teria sido um pouco mais feliz se houvesse sido... ligeiramente ridícula... também.
Talvez seja assim que a vida deva ser levada. De forma ligeiramente ridícula. Provavelmente se eu tivesse largado pra trás todas as minhas neuroses e repressões e tivesse vivido um pouco como uma bichinha ligeiramente ridícula, alguém pudesse dizer que eu tive uma good full life antes de ser incinerado em um acidente em São Paulo.