Mais atrás foi dito que o Espiritismo prega o racismo. No entanto, foram postados alguns trechos onde Kardec demonstra rejeitar todo tipo de preconceito (inclusive de cor).
Luis Dantas sugeriu a leitura do link:
../forum/topic=14591.0.htmlNesse link há uma coleção de textos ditos racistas, provenientes de Kardec. Me comprometi a trazer detalhes que não aliviam os erros escritos, mas que elucidam o que há por trás dos escritos.
Afinal, ou Kardec era racista e fingiu não ser nos textos que eu trouxe, ou existe uma dita "lógica" por trás dos escritos que estão no link acima. Vejamos.
Pode-se dizer que tudo isso se deve a um texto "polêmico" escrito por Kardec na sua Revista Espírita. O texto "Frenologia Espiritualista e Espírita - Perfectibilidade da Raça Negra", publicado na Revista Espírita, de abril de 1862.
Para quem deseja se situar, recomendo a leitura do link:
http://pt.wikipedia.org/wiki/FrenologiaAbaixo seguem alguns trechos e comentários meus. Pelo fato do texto ser extenso, selecionei as partes mais relevantes para o debate.
"A raça negra é perfectível? Segundo algumas pessoas, essa questão está julgada e resolvida negativamente. Se assim é, e se essa raça está votada por Deus a uma eterna inferioridade, a conseqüência é que é inútil se preocupar com ela, e que é preciso se limitar a fazer do negro uma espécie de animal doméstico adestrado para a cultura do açúcar e do algodão. No entanto, a Humanidade, tanto quanto o interesse social, requer um exame mais atento: é o que iremos tentar fazer; mas como uma conclusão dessa gravidade, num ou noutro sentido, não pode ser tomada levianamente e deve se apoiar sobre um raciocínio sério, pedimos a permissão para desenvolver algumas considerações preliminares, que nos servirão para mostrar, uma vez mais, que o Espiritismo é a única chave possível de uma multidão de problemas insolúveis com a ajuda dos dados atuais da ciência. A frenologia nos servirá de ponto de partida; exporemos, sumariamente, as suas bases fundamentais para a compreensão do assunto."Aqui é a introdução do texto, onde Kardec tem a Frenologia como base para explicar algumas coisas. Após isso, Kardec explica alguns princípios da Frenologia."(...) Portanto, é admitido em princípio que todas as partes do cérebro não têm a mesma função. Além disso, é reconhecido que os cordões nervosos que, do cérebro como fonte, se ramificam em todas as partes do corpo, como os filamentos de uma raiz, são afetados de maneira diferente segundo a sua destinação; é assim que o nervo ótico, que chega ao olho e desabrocha na retina, é afetado pela luz e pelas cores, e transmite sua sensação ao cérebro numa porção especial; que o nervo auditivo é afetado pelos sons, e os nervos olfativos pelos odores. Que um desses nervos perca sua sensibilidade por uma causa qualquer, e a sensação não mais ocorre; fica-se cego, surdo ou privado do olfato. Esses nervos têm, pois, funções distintas e não podem, de nenhum modo, se substituir, e, no entanto, o exame mais atento não mostra a mais leve diferença em sua contextura."Aqui ele fornece dados que servirão para uma análise posterior. Prosseguindo."A frenologia, partindo desses princípios, vai mais longe: localiza todas as faculdades morais e intelectuais, a cada uma das quais assinala um lugar especial no cérebro; assim é que ela afeta um órgão com o instinto de destruição que, levado ao excesso, se torna crueldade e ferocidade; um outro com a firmeza, cujo excesso, sem o contrapeso do julgamento, produz a obstinação; um outro ao amor à prole; outros à memória dos lugares, à dos nomes, à das formas, ao sentimento poético, à harmonia dos sons, das cores, etc., etc. Não é aqui o lugar de fazer a discrição anatômica do cérebro; diremos somente que, fazendo-se uma seção longitudinal na massa, reconhecer-se-á que da base partem feixes fibrosos indo desabrochar na superfície, e quase apresentando o aspecto de um cogumelo cortado em sua altura. Cada feixe corresponde a uma das circunvoluções da superfície externa, de, onde se segue que o desenvolvimento corresponde ao desenvolvimento do feixe fibroso. Sendo cada feixe, segundo a frenologia, a sede de uma sensação ou de uma faculdade, ela disso conclui que a energia da sensação, ou da faculdade, está em razão do desenvolvimento do órgão."Mais dados necessários."Os espiritualistas dizem, ao contrário, que os órgãos não são a causa das faculdades, mas os instrumentos da manifestação das faculdades; que o pensamento é um atributo da alma e não do cérebro; que a alma, possuindo por si mesma aptidões diversas, a predominância de tal ou tal faculdade leva ao desenvolvimento do órgão correspondente, como o exercício de um braço leva ao desenvolvimento dos músculos desse braço; de onde se segue que o desenvolvimento do órgão é um efeito e não uma causa."Aqui Kardec distingue as duas classes de frenologistas em materialistas e espiritualistas e explica o ponto do qual está partindo."Vimos que cada órgão cerebral é formado de um feixe de fibras; pensamos que cada fibra corresponde a uma nuança da faculdade. Isto não é senão uma hipótese, é verdade, mas que poderá abrir caminho para novas observações.Aqui é o estopim do erro de Kardec. Ele parte de uma hipótese sem comprovação para fazer deduções que iriam descambar no resto."O nervo auditivo recebe os sons e transmite-os ao cérebro; mas se o nervo é homogêneo, como percebe sons tão variados? É, pois, permitido admitir que cada fibra nervosa seja destinada a um som diferente com o qual ela vibra, de alguma sorte, em uníssono, como as cordas de uma harpa. Todos os tons estão na Natureza; suponhamo-los cem, desde o mais agudo até o mais grave: o homem que possuísse as cem fibras correspondentes, percebê-los-ia a todos; aquele que não os possuísse senão pela metade, não perceberia senão a metade dos sons, os outros lhe escapariam, e deles não teria nenhuma consciência. Ocorreria o mesmo com as cordas vocais para exprimir os sons; com as fibras óticas para perceber as diferentes cores; com as fibras olfativas para perceber todos os odores. O mesmo raciocínio pode se aplicar aos órgãos de todos os gêneros de percepções e de manifestações."Continuando."O exame frenológico dos povos pouco inteligentes constata a predominância das faculdades instintivas, e a atrofia dos órgãos da inteligência. O que é excepcional nos povos avançados, é a regra em certas raças. Por que isto? É uma injusta preferência? Não, é a sabedoria. A Natureza é sempre previdente; nada faz de inútil; ora, seria uma coisa inútil dar um instrumento completo a quem não tem meios de se servir dele. Os Espíritos selvagens são Espíritos ainda crianças, podendo-se assim se exprimir; entre eles, muitas faculdades ainda estão latentes. Que faria, pois, o Espírito de um Hotentote no corpo de um Arago? Seria como aquele que não sabe a música diante de um excelente piano. Por uma razão inversa, que faria o Espírito de Arago no corpo de um Hotentote? Seria como Liszt diante de um piano que não teria senão algumas más cordas falsas, às quais seu talento jamais chegaria a dar sons harmoniosos."A partir disso, Kardec começa a teorizar que: se o exame do cérebro de A mostra que tal instrumento é mais aperfeiçoado que o de B, então existe algum motivo por trás disso (afinal, para ele, Deus não poderia ser injusto e dar a A um corpo melhor que B sem "motivo"). Então, por isso, deduzia-se que um corpo mais rudimentar estaria de acordo com a evolução da alma que o habitaria. Por isso ele faz a comparação acima."A Natureza, portanto, apropriou os corpos ao grau de adiantamento dos Espíritos que devem neles se encarnar; eis porque os corpos das raças primitivas possuem menos cordas vibrantes que os das raças avançadas. Há, pois, no homem, dois seres bem distintos: o Espírito, ser pensante; o corpo, instrumento das manifestações do pensamento, mais ou menos completo, mais ou menos rico em cordas, segundo as necessidades."Aí ele conclui que tudo na Natureza é planejado e adequado às necessidades."Chegamos agora à perfectibilidade das raças; esta questão, por assim dizer, está resolvida pelo que precede: não temos senão que deduzir-lhe algumas conseqüências. Elas são perfectíveis pelo Espírito que se desenvolve através de suas diferentes migrações, em cada uma das quais adquire, pouco a pouco, as qualidades que lhes faltam; mas, à medida que as suas faculdades se estendem, falta-lhe um instrumento apropriado, como a uma criança que cresce são necessárias roupas maiores; ora, sendo insuficientes os corpos constituídos para seu estado primitivo, lhes é necessário encarnar em melhores condições, e assim por diante, à medida que progride."Afirmando novamente."Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos; como Espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são verdadeiras crianças às quais podese ensinar muito coisa; mas, por cuidados inteligentes, pode-se sempre modificar certos hábitos, certas tendências, e já é um progresso que levarão numa outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório em melhores condições. Trabalhando para o seu adiantamento, trabalha-se menos para o presente do que para o futuro, e, por pouco que se ganhe, é sempre para eles um tanto de aquisições; cada progresso é um passo adiante, que facilita novos progressos."Aqui Kardec faz a conclusão equivocadíssima baseado no pressuposto anterior."Sob o mesmo envoltório, quer dizer, com os mesmos instrumentos de manifestação do pensamento, as raças não são perfectíveis senão em limites estreitos, pelas razões que desenvolvemos. Eis por que a raça negra, enquanto raça negra, corporeamente falando, jamais alcançará o nível das raças caucásicas; mas, enquanto Espíritos, é outra coisa; ela pode se tornar, e se tornará, o que somos; somente ser-lhe-á preciso tempo e melhores instrumentos. Eis porque as raças selvagens, mesmo em contato com a civilização, permanecem sempre selvagens; mas, à medida que as raças civilizadas se ampliam, as raças selvagens diminuem, até que desapareçam completamente, como desapareceram as raças dos Caraíbas, dos Guanches, e outras. Os corpos desapareceram, mas em que se tornaram os Espíritos? Mais de um, talvez, esteja entre nós."Aqui ele afirma que o corpo dos negros não atingirá o nível evolutivo dos brancos. Em contrapartida, afirma que os espíritos dos negros evoluirão e poderão utilizar melhores instrumentos para manifestação do espírito. Também deixando claro que, para ele, isso é um processo natural e que todos passam por essa fase.________________________________
Aí está o resumo da ópera. A partir disso, teço comentários pessoais (que não pretendem ser verdade absoluta).
Duas coisas são necessárias reconhecer. A primeira é que a crença na reencarnação, no campo das teorias espiritualistas, de fato, elimina pressupostos racistas, já que todo mundo passa, passou ou passará pelo mesmo caminho, e que a consciência não tem cor e nem faz parte de nenhuma casta.
Qualquer um que se orgulhasse da sua "pureza racial" estaria sendo preconceituso consigo mesmo, pois o próprio já teria, fatalmente, feito parte da "raça" à qual nutre preconceitos. Além disso, se nos baseássemos na lógica do texto acima, pode-se dizer que qualquer um, que nutrisse preconceitos, estaria enganando a si mesmo, pois se os corpos também evoluem, o corpo do branco atual não passaria de mero farrapo perto de outros corpos que a evolução presente na Natureza estaria por trazer. Ou seja, aquele que é preconceituoso não está isento de ser alvo do próprio preconceito futuramente, mesmo ele sendo caucásio.
A segunda é que Kardec, apesar do erro crasso, tentou resolver um problema a partir do que tinha em mãos. O problema é que o Espiritismo tem uma mania de querer explicar tudo, mesmo quando não pode. Kardec foi nessa onda e tentou explicar porque a Frenologia constatava a superioridade branca e porque os povos negros eram atrasados e a Europa era o topo do mundo.
A conclusão pessoal que chego é: o texto (e os demais) tem conteúdo racista. Mas saliento que, creio, o tom racista deve-se a dois erros iniciais: 1) A adoção da Frenologia como pressuposto; e 2) A necessidade de querer explicar tudo. Vejo que tais fundamentos são a causa do dito "racismo". Não vejo aí mero preconceito gratuito contra o resto do mundo (Kardec deixa isso explícito nos trechos que eu trouxe anteriormente, onde recusa os preconceitos).
Se for perscrutado o "porquê" do escrito, chega-se ao fato de Kardec querer explicar tais disparidades entre Europa e o resto do mundo (o que falhou). Não nego que talvez ele possuísse um sentimento europocêntrico exagerado. Também é bom lembrar que todo homem é escravo de seu tempo. Kardec também possuía momentos onde era centralizador e autoritário (mas isso já é outra história). Mas, no fim das contas, pode-se fazer duas afirmações:
1) Kardec errou toscamente e a própria Ciência provou seu(s) erro(s).
2) O Espiritismo prega o racismo.
Creio que a primeira afirmação é completamente válida e honesta. Já a segunda afirmação, a meu ver, é exagerada e proveniente de visão particular (respeitando, é claro, a mesma). Vejo que a questão não é a cor da pele. Mas uma premissa errada, baseada numa pseudo-ciência que elegia o europeu branco como dotado de corpos mais perfeitos.
Por fim, mais um motivo de o Espiritismo não poder pregar o racismo:
"Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará."
A Gênese, Cap. ISe o progresso mostrou que a Frenologia é errada, a suposição pessoal de Kardec cai por terra. Logo, não haverá pressuposto racista e o Espiritismo não poderá pregar o racismo (o que nunca fez).
Até!
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O Espiritismo recorre ao livre-arbítrio, mas ao mesmo tempo o nega; é uma das formas como ele se contradiz, uma que ele herdou do Catolicismo e possivelmente agravou mais ainda.
Reconheço que há a alegação espírita da existência de livre-arbítrio, mas ainda assim, ele também o nega... 
Aonde ele o nega?
Mas a Codificação de Kardec também tem essa mesma contradição.
Não duvido que isso seja verdade (aliás, acho que é até possível rs). Mas gostaria de ver.,
Até!