Aviso: não vi o vídeo e só li as páginas 1 e 7. Mas vou dar meus pitacos.
Como sempre... lembrem-se, posso estar falando coisas sensatíssimas ou muita merda. Estejam avisados.
Qualia: a questão é informação e seus meios, não a experiência em si. O meio que chamamos de "linguagem humana" não é completo e não permite a passagem de toda e qualquer informação - ele pode ser apto a passar "comi uma maçã verde ontem", mas é incapaz de passar o conceito de verde em si.
Concordo. Mas antes, deixe eu dizer o que penso do Problema Fácil e do Problema Difícil.
O Problema Fácil (que na verdade é tudo menos isso) é algo que é passível de ser investigado empiricamente. Em princípio,
a partir do momento em que se fizer uma máquina capaz de passar no teste de Turing, estaremos perto de ter resolvido esse
problema (e vale lembrar que chatbots estão bem longe de passar nesse teste ainda). Ou seja, o Problema Fácil está dentro
do âmbito da ciência.
Já o dito Problema Difícil está dentro do âmbito da Filosofia. Trata-se mais de se encontrar definições mais corretas para certos
conceitos e descobrir que perguntas fazem sentido e quais não fazem (isso tudo
na minha opinião!).
Sobre o texto citado: eu colocaria esse problema da seguinte forma: se eu quero transmitir a informação acerca de alguma coisa (por exemplo, digamos que
eu quero ensinar alguem a montar um objeto, como uma mesa) o que tenho de fazer é partir de uma estrutura que possuo em minha mente, a qual
corresponde à informação que quero transmitir. Essa estrutura está
correlacionada à estrutura mental de outra pessoa que possui a mesma informação,
mas o fato crucial é que essas estruturas não são idênticas (isso poderia ser verificado comparando-se um PET scan de duas pessoas instruídas a
pensar na mesma coisa). Nem poderiam ser, pois cada cérebro possui suas idiossincrasias. Então como comunicar essa informação para alguem que
não a possui? Simples: fazemos um mapeamento dessa estrutura para uma vocalização ou um diagrama codificado em uma linguagem comum às duas
pessoas. Essa mensagem então pode estimular o aparecimento de uma estrutura mental associada às instruções, na mente do receptor.
Isso tudo é pra explicitar um paradoxo aparente: eu posso codificar a informação de uma estrutura mental minha e transmitir a outra pessoa. Ela pode
fazer o mesmo e compartilhar informações comigo. O que eu NÃO posso fazer é transferir
diretamente a minha estrutura mental para a cabeça da
outra pessoa!* Um forma imprecisa de dizer isso é afirmar: nós somos o nosso hardware. Para saber como o outro vê o mundo realmente, eu teria que
ter o hardware do outro. Porém aí então eu
seria o outro!
O que dá pra concluir disso tudo é que a experiência subjetiva pode bem ser
necessariamente intransferível.
Notem que falo em termos de "linguagem humana", isto é, algo indiferente às línguas. É questão de peça/hardware (como o SNC lida com a linguagem) e não de programa/software (a linguagem em si). Se o cérebro lidasse com a informação e a linguagem de outro jeito, talvez seria possível passar informações por linguagem que a gente só tem acesso pelos sentidos.
Consciência: o que exatamente a gente chama de consciência? É só uma abstração, gente. Existe um cérebro funcionando, isso é real. A gente chama de "mente" como a gente entende que esse cérebro funciona, e uma das partes que a gente resolveu separar dessa "mente" se chama "consciência".
Se vocês quiserem adotar uma postura mais científica e menos filosófica, a gente pode começar pelo comportamento - algo que a gente vê - pra depois tentar inferir o que a gente não vê - o funcionamento do cérebro. Tateando um pouco, sabemos através do comportamento que:
1. Humanos têm emoções (Ex: Aline enche Bernardo de beijos por ter dado a ela uma flor.)
2. Humanos reconhecem emoções alheias (Ex: Clara franze as sobrancelhas quando vê Bernardo dar a flor e sai correndo.)
3. Humanos estabelecem relações de causa e efeito (Ex: Diogo leva uma bexiga d'água na testa. Diogo procura o fi'adaputa que a jogou.)
4. Humanos planejam comportamentos futuros. (Ex: Eduardo fala "vou comer uma maçã", e depois de cinco minutos, está comendo uma maçã.)
5. Humanos têm comportamento moral. (Ex: Clara bate em Bernardo e xinga-o de galinha vagabundo por causa do comportamento dele no ponto 1, e abraça Fernanda pela ausência do comportamento de fofoca.)
Isso tudo é óbvio? Não por essa abordagem.
Adicionem mais pontos, se quiserem... não tenho respostas, sou só um sonâmbulo divagando.
Podemos agora começaaaaaaaar a definir "consciência": consciência é o conjunto de emoções, formas de interagir com outros seres humanos, regras morais e prospectivas de um dado indivíduo.
Continuo depois. Ah, Buck e Adriano, uma dica: se vocês discutem com os tróis, eles vencem.
Essa postura tem a ver com o que o Dennet chama de heterofenomenologia: o reconhecimento de que não somos narradores confiáveis do
que acreditamos passar na nossa mente, daí que é preciso analisar o que o Outro diz, tratando essa narrativa como uma peça de ficção a ser
dissecada.
*visto que ela existe integrada a inúmeras outras estrutura mentais dentro de uma rede neural altamente complexa.