Não entendo o porquê da implicância com o termo "qualia" ou talvez não tenha compreendido bem o significado. Seria apenas o resumo, em uma palavra, das diferenças individuais de percepção das coisas em função das particularidades gerais de cada indivíduo?
Não tem a ver com diferenças individuais de percepção -- nem se sabe se isso ocorre, é só algo que poderia ocorrer, e não se sabe ainda se é o caso, ou o caso regular (se tem conhecimento de variações individuais não-patológicas na discriminação de cores, o que é um assunto correlato, mas ainda não chega bem a lidar diretamente com quais seriam as "cores mentais" vistas pelas pessoas, ou os correlatos neurais específicos).
É aquilo que você realmente vê (ou outra representação de um sentido ou qualquer coisa consciente).
Aqui deve entrar outro detalhe importante na questão de dizer "só representação". Acho que depois do "realismo ingênuo", a noção de que vemos diretamente a realidade, vem o "representacionismo ingênuo", a noção de que vemos uma "representação fiel" da realidade. Ou seja, que uma dada cor que que vemos é realmente uma propriedade real da luz, e não uma representação possivelmente arbitrária, ou não-arbitrária em nível de neuroquímica, apenas, e não da luz.
Para nós, a visão das cores tal como são deve ter tido origens adaptativas quaisquer; em alguma outra espécie, talvez fosse adaptativo algo que, comparativamente a nós, fosse uma espécie de daltonismo, mesmo que o aparato visual seja o mesmo. Algo como, quaisquer que seja a cor "real" dos seus predadores, esta luz seria representada mentalmente como algo mais vibrante, que se destaca mais do que está ao redor.
E a coisa vai além de trocas de paletas de cores. Se não me engano Dawkins especulou (ou mencionou especulação de outra pessoa) que morcegos talvez criassem um "mundo visual" a partir de informações vindas de seu sonar, de seus ouvidos. Essa "visão" proveniente da audição pode até estar sendo mesclada à visão realmente proveniente dos olhos.
Mas o problema não acaba aí. Mesmo que se tivesse de alguma forma decodificado todo esse tipo de coisa, estudado correlações diversas que nos permitissem afirmar com razoável segurança que as pessoas vêem as mesmas cores-qualia quando olham para a mesma luz (a partir do cérebro estar reagindo de forma essencialmente idêntica), ainda é completamente incógnita essa parte fundamental (e outros não se dariam por satisfeitos e ainda questionariam a certeza da correlação física com a mesma experiência subjetiva; eu particularmente acho razoável aceitar que cérebros agindo de forma idêntica terão uma experiência subjetiva idêntica, mesmo sem poder provar em última instância).
Como essa gosma cinzenta experiencia internamente um mundo de cores, sabores, sons. Neurônios disparando assim e assado, codificam as coisas, OK. Mas ainda assim há essa abismante lacuna explicativa entre uma coisa e a outra.
É um problema meio como, entender como funciona algo como a gravidade, em termos de correlação -- massa deforma o espaço -- e entender mais detalhadamente como a massa tem esse efeito. Talvez possa ser uma propriedade fundamental que acaba aí, é assim "porque sim", ou talvez possa se chegar a algo mais específico.
Com qualia/"teatro cartesiano", há o agravante de ser um fenômeno único no sentido de que só pode ser observado "sendo" um cérebro, diferentemente de praticamente tudo mais, que pode ser suficientemente compreendido apenas com a perspectiva do observador externo, e para o qual geralmente supomos nem haver outra perspectiva possível.
me parece exatamente isso, mais um ar forçado de mistério por não se saber exatamente como funciona o cérebro. É o viagra dos filósofos.
Não é só o "funcionamento do cérebro", ou ao menos não só o funcionamento sob uma análise da perspectiva externa. O problema é mais fundamental, de não se saber como essas coisas que poderíamos descrever pela perspectiva externa, geram aquilo que temos pela perspectiva interna, de ser o cérebro em si. Uma vez confirmado que a visualização de uma dada cor é sempre acompanhada de um mesmo padrão de atividade cerebral, em qualquer pessoa, ainda não se entende absolutamente nada sobre como que uma coisa causa a outra. Só se tem a correlação.
O melhor que se pode fazer, e que talvez o máximo que possamos fazer, é supor ser uma espécie de "lei fundamental" da física, que os substratos dos nossos cérebros, ou outros "cérebros" em outros substratos, mas que processem informação de forma suficientemente parecida, vão ter partes ou processos que têm essas "experiências internas", que não são feitas de átomos, de energia, de nada. Ou que são "feitas de neuroquímica", que a experiência é só a "neuroquímica vista por dentro do cérebro", o que realmente não explica tão mais, só talvez se livre do problema de supor algo "feito de nada".
E o "ar de mistério" não é diferente de qualquer ar de mistério envolvendo questões como partículas versus cordas, interpretação da MQ, possibilidade de "multiversos" e etc. Simplesmente não temos conhecimento de tudo, certamente não vamos ter compreensão fundamental de tudo, e tem coisas que são bem esquisitas quando paramos para pensar. Como com "vibrações quânticas" vão haver aqueles que distorcem tudo com misticismo.