Jetro, sendo franco com você, não espero qualquer resultado dessa minha intervenção, mas como é um assunto que perpassa domínios de discussão muito mais amplos que a sua simples "dúvida", vou me manifestar.
A dificuldade maior aqui é que ainda existe um último deus interno que os mais autodeclarados céticos insistem em cultuar, Jetro. Verifico que sua interpelação é bem justificada e você, como em alguns casos raros aqui (como quando, movidos pela doença hodierna do "politicamente correto", asseveram que qualquer um que crê em coisas irreais pode pensar cientificamente, como uma espécie de direito humano estabelecido e adquirido por meio do que seria um fenômeno complexo que chamam de duplipensamento, que eu também já implorei várias vezes que me apresentassem princípios teóricos ou minimamente argumentativos que pudessem embasar tal hipótese e nada de resposta, além da que contraria um outro próprio princípio bíblico cultuado por pobres epistemistas pós-popperianos que seria o "verificacionismo"--!!!!!--, ou seja, por exemplo real daqui mesmo, se *verifica-se* que Newton escreveu compêndios inteiros de baboseiras místicas está *verificado* que ele acreditava em tudo aquilo por menos sentido que tal coisa possa ter, perdem a batalha contra qualquer crente que vem aqui e puxa da manga a carta de que "se tem cientista que acredita, então nenhum argumento científico pode ser usado para contestar deuses", "o que vocês têm para argumentar?", óbvio, NADA! além da tautologia do duplipensamento, claro), deu uma coça em quase todo mundo e está claramente numa posição vantajosa argumentativamente. Por quê? Porque todos aqui partem da premissa de que existe alguma coisa central com intencionalidade no universo, aka "eu mesmo". Preste bem atenção no que vou dizer a seguir, para que entenda um pouco do que entendo disso porque, comigo, você não tem argumentação.
Casuais são os eventos que não podem ser perfeitamente previstos antecipadamente ou ter causas rastreadas (também absolutamente, que, neste caso, é o mesmo que perfeitamente) posteriormente, o que dá, analiticamente, na mesma. Portanto, o sentido de acaso é relativo a um arbitrário centro cognitivo e é, inclusive e como decorrência desta relatividade, variável, com tal variabilidade mensurável em forma de estatística -- há graus variados de certeza em relação a estados e eventos não imediatos na evolução de sistemas, ou seja, acaso ou casualidade é um *parâmetro* sistêmico relativo a um sistema cognitivo arbitrário qualquer (que seja subdemônio-laplaciano) e não um princípio universal absoluto. A ideia de acaso surge como subproduto ilusório da ilusão consciente e não tem realidade própria ou qualquer sentido ou função na realidade. Não se referenciando a um centro cognitivo arbitrário qualquer, universalmente, não existe acaso. Esta é a única forma, neste sentido, que a realidade tem se mostrado em toda investigação científica. O mais é produto regurgitado de degeneração filosófica em que a interação entre o sistema cognitivo e o sistema-objeto é distorcida por traduções irrealísticas. São só máquinas que operam gerando ilusões imperfeitas (redundância, imperfeição tradutiva é um dos atributos ilusórios necessários da ilusão consciente).
Observe-se o fato de que não existir acaso e não existir determinação intencional central coexistem; não são interexcludentes. Não existe acaso E não existe determinação consciente. Isso é o que verificamos em todos os casos, mesmo nos casos de sistemas dinâmicos que evoluem caoticamente, mesmo no caso da realidade quântica, cuja estatística não implica em ramificações aleatórias. Há só uma coisa ("problema") nisso tudo, a pedra no sapato, isto é, a "coisa" que pondera essas coisas, o "eu", este fenômeno ilusório que surge nessa máquina humana e que sugere poder fazer escolhas "reais", ou seja, escolhas que possam mudar a própria realidade do universo. Com pelo menos 7 bi desses deuses andando por aí pelo universo, dá para avaliar a confusão em que tudo ficaria. Felizmente, não é fato e o universo simplesmente "funciona" como é. Entre aspas porque funcionar é um termo que só se aplica licitamente a sistemas subuniversais.
Escrevi para dar esta resposta e também porque o Salazar escreveu que
"Ver os fatos com a ausência de deus: Tudo possui causa natural, não há determinismo.
Ver os fatos com a presença de um Deus nos moldes judaico-cristão: Tudo foi criado por deus, há determinismo."
Mas... possuir causa natural é fundamento do determinismo físico!
O "determinismo" a que ele se refere aqui (espero eu) não é o determinismo físico, inclusive formalmente conceituado. Deveria ter escrito "determinação divina", no caso. O determinismo conceituado em física não implica em intencionalidade.
Correlatamente:
Não necessariamente, de modo conceitual, dizer, em física, que há determinismo, não é dizer que tudo foi criado por algum deus. Dizer em física que há determinismo é mesmo mais simples que dizer que há regras impessoais; é apenas dizer que há processo repetível, mesmo que ocorra uma única vez(!). Se, no universo, houvesse um único processo (que, sendo assim, ocorreria uma única vez), não haveria ensejo, circunstância ou sentido para que ocorresse de outra forma. Ele seria a repetição de si mesmo. Aqui cabe uma pergunta: seria o universo este processo?
Também gostaria de esclarecer que, diferentemente do que o forista Juca disse, nem todos aqui já acreditaram em alguma divindade em algum momento da vida. Eu sou um destes. Se me lembro bem, o Gilberto também. Li, em algum lugar aqui, o Di Gaúcho dizer que nunca cultuou nenhuma religião, sendo que isso não determina que ele nunca tenha experienciado "sentimentos de religiosidade". Pessoas que, de fato, nunca acreditaram em nada sobrenatural são muito raras. Então, de minha parte, não tenho a experiência de pensar como você. Só entendo seus pensamentos pelo seu comportamento e por suas expressões, que são seu comportamento comunicativo.