Como eu abri o tópico porque estava começando a fazer um trabalho sobre a liberdade em Bergson, agora que eu terminei o trabalho vou dizer a que conclusão eu cheguei. Bergson conseguiu me convencer, dentro do sistema dele, é claro. Mas sua filosofia, para mim ao menos, é interessantíssima, gostei bem. Então mudei meu voto aqui de “não sei” para ”depende”, porque para ele a liberdade existe sim, mas é um fato muito raro de acontecer. Meu trabalho ficou com mais de 30 páginas então vou tentar fazer uma mega resumo aqui...

Primeiro, ele começa com algo que pode ser bem identificado nos comentários deste post. Para ele, toda a questão sobre a liberdade divide as pessoas em dois grupos, que portam duas visões diferentes da natureza:
O
Dinamismo, que acredita nos fatos da natureza, no que pode ser observado. Se nos achamos livre, nos percebemos assim, e não passamos do próprio conjunto de nossos pensamentos, sensações e determinações mentais, então isso é o que nós somos, logo as escolhas que provem disso não são determinadas por nada além de nós mesmos que somos tudo isso, então somos livres. Já que não teria lógica dizer que eu não sou livre por ser a causa de mim mesmo. Assim, esses conseguem conceber vontade livre por um lado, e uma matéria governada por leis, de outro.
O
Determinismo, que não acredita nos fatos da natureza, mas nas leis que determinariam esses fatos. Neste caso, a ideia de inércia que diz que todo corpo permanecerá como está, em movimento ou parado, se não for afetado por outro corpo (causalidade). Para esses, se existe uma lei natural que determina a ação de todos os corpos e nós não passamos disso, então somos determinados também por essas leis, logo não somos livres ainda que assim nos pensemos. O determinista acredita nos fatos que vê, e eleva os fatos à verdade absoluta, onde a lei é vista como a expressão mais ou menos simbólica dessa realidade.
Porém, segundo Bergson, ambos estão em parte errados, porque partem de uma ideia a priori para a construção de suas ideias de mundo. Para ele, o problema da liberdade e essa discussão toda que se este levanta, é um falso problema. É um problema criado por nossa ilusão e nosso costume em transformar dados da consciência em coisas, em objetos que se dariam no espaço, quando em verdade, segundo ele, que é um dualista, a mente pura não se dá no espaço, é separada dele e se dá só no tempo; o espaço por sua vez é só extensão, não tem temporalidade.
Para desconstruir essas falsas ideias, ele tenta mostrar que o dinamismo está errado porque acredita no senso comum simplesmente, não explica o que crê; acredita que somos completamente livres, simplesmente porque assim nos sentimos, e para ele, como mostrará depois, a liberdade mesma é rara. Já o determinismo físico, como ele mostrará, também não possui uma certeza pautada numa observação física como pensa, mas numa crença psicológica.
Assim, ele reduz o determinismo físico a um determinismo psicológico, ou hipótese psicológica, para mostrar que mesmo estando calcado numa pretensa verdade cientifica, o determinismo ainda não passa de uma crença equivocada.
A ideia determinista de que os nossos estados de consciência correspondem a estados físicos da matéria, não pode ser provado. E ainda que alguns casos mostrem essa relação, nós só podemos realizar uma generalização destas observações e transformá-la numa verdade universal, utilizando a mente e seus conceitos para isso. Então, ainda que eu observe que neste e naquele caso um estado mental correspondeu a uma alteração física, a certeza que construo depois, de que TODOS os estados mentais DEVEM ter um correspondente físico associado, é apenas uma ideia associacionista que acredita na ideia de causalidade, e que consegue por uma força de fé, generalizar algumas observações, transformando-a num conceito pretensamente universal.
Ele dá uns exemplos interessantíssimos para mostrar que nem sempre a ideia fisicalista faz sentido. Segundo as leis da física e da razão, que determinam a lei da inércia que rege o movimento no universo, nada vem do nada. Mas o determinista aceita bem a ideia de que a consciência vem do nada, de que ela pode nascer como resultado de agrupamentos de moléculas e de causas que não a contêm. Se por essa visão, a matéria pode criar do nada a consciência, porque não poderia a consciência, do nada, criar a matéria e o movimento? Isso, porque para o seu dualismo, ambos não podem ser tidos conceitualmente como uma mesma substância.
Os deterministas, como não enxergam a dualidade, vão dizer que mente é matéria, mas isso é apenas uma suposição. Pela analise profunda das características dessas duas substâncias, fica claro que não são uma mesma coisa. Na matéria, a própria lei da inércia deixa claro que não existe o tempo. Um dado objeto permanecerá imutável se nenhum outro objeto lhe interferir nesta sua posição inicial. Mas, isto deveria ser também verdade na consciência, se ela fosse também matéria, o que não acontece, porque ela não é matéria. Se a consciência, que é o puro tempo, permanecer focada num objeto qualquer, por exemplo, a sensação de dor, esta não permanecerá imutável como ocorrem com os objetos da matéria, ele crescerá sobre si mesma até se tornar insuportável. Na consciência, portanto, essas regras de inércia não se aplicam.
Para comprovar esta diferença ele dá outro exemplo bem interessante. Novamente, como na materialidade o tempo não existe, então a lei da inércia diz que os objetos podem avançar ou retroceder sem qualquer problema, desde que sejam impulsionados por outros objetos. Assim um objeto num determinado ponto X permanecerá imutável, neste ponto, até que alguma força o mova; e uma vez movido, nada impede que esta força o faça voltar para o mesmo ponto X de antes, na mesma posição e da mesma forma, como se retrocedesse no tempo. Contudo, quando tentamos fazer isso com objetos da consciência, vemos que é impossível, e isso nunca se observou.
Se a consciência está fixa num objeto e se desloca dele, ela nunca mais o recuperará uma vez que mesmo que volte para ele, ela já estará diferente, uma vez que a consciência é o tempo, ou como ele chama, a duração. Os objetos do espaço não estão no tempo, então podem avançar e recuar. Já os objetos da consciência não estão no espaço, então são apenas tempo, um fluir constante em que cada objeto que sai de cena passa a fazer parte do todo indivisível da consciência, que mudou e nunca mais será a mesma. A consciência é um fluxo uno e indivisível de momentos que vão se interpenetrando num instante em movimento.
Na consciência pura, não existe multiplicidade. Não teria lógica eu dizer, "o amor que sinto", já que a amor que sinto não poderia ser separado de todos os meus outros estados, sensações e sentimentos daquele instante. Quando eu digo amor, eu tiro de um continuo complexo, indivisível e individual, somente algumas características padrões que todos podem entender e lanço-a no espaço. Dai, como está espacializado, algo completamente subjetivo, pode, por incrível que pareça, ser mensurado, medido, comparado, ou seja, manipulado como manipulamos a matéria. Posso dizer, sinto mais ou menos amor do que sentia por fulano, ou meu amor é maior que o de sicrano. E as pessoas que me ouvem, pegam essa mera palavra e preenchem com suas próprias noções individuais de amor, como se o que sentimos fosse igual para todos, quando sabemos que um amor pessoal nosso não é sequer igual a outro amor que sentimos por outra pessoa em outro tempo.
Enfim, está ai, para ele, a raiz de toda a confusão que fazemos. Para viver no mundo é sim necessário esse processo de espacialização e de confusão que fazemos ao fundir duas substâncias completamente diferentes como a mente e o espaço. Acreditamos que a mente e a matéria são uma mesma coisa, logo poderíamos traduzir o que pensamos com exatidão para o mundo físico externo, quando sabemos que isso não é possível. E acreditamos que as leis que regem a materialidade, como as leis de causalidade e da inércia, regeriam por tabela a mente, que seria ainda matéria.
Para fechar, a liberdade para ele, não provem de analises e pensamentos deliberados racionalmente. Já que pensar é projetar a mente no espaço, dividindo algo indivisível em múltiplas representações, ou palavras, que nunca dizem de fato sobre a consciência profunda e una que comporta uma infinidade de estados, sensações e sentimentos num determinado instante. Sempre que eu analiso algo que não é o todo da consciência, por exemplo, se analiso meu amor por alguém, não posso tirar daí uma escolha livre, já que estou apenas falando de “escolhas” aparentes que me surgem sobre este conceito espacializado que crie para se referir a um estado de consciência intraduzível em palavras.
Nosso verdadeiros e raros atos livres, são os atos praticados num instante e com o todo do nosso ser verdadeiro e profundo. E por incrível que pareça, quando realizamos um ato de vontade livre, depois de realizado, ficamos perplexos por não sabermos o que nos fez agir. Ficamos pensando nele e tentando procurar alguma causa, alguma coisa que nos tenha feito agir como agimos, pois não estamos acostumados a liberdade, por nossa cultura e nosso modelo de pensamento. Quando um ato tem causas bem identificáveis e afetou apenas algo do seu ser, por exemplo, matei o amante da minha esposa porque os peguei na cama e toda minha ideia de honra, de vergonha e meu amor me fizeram matá-la, então não tive um ato livre, mas um ato condicionado por essas meras ideia de amor, honra, vergonha... Mas se o matei num ímpeto tão violento e rápido que nem sei porquê o que fiz, só sei que todo o meu ser agiu, então sim, o matei livremente.
Percebam a inversão do que a nossa cultura estabelece como liberdade. Para ela, só sou livre quando penso no que fiz, se esquecendo de que pensamento é sujeito a causalidade, então se a lógica me levou a matar eu na tinha escapatória; mas se mato por defesa ou num ímpeto, que nossa sociedade veria como não premeditado e mais leve, ai sim eu estaria livre de fato, porque manifestei a verdade e a liberdade do todo do meu ser naquele instante...
Muitas pessoas, assim, passam a vida sem ter um ato livre sequer, porque nunca se comunicam com este verdadeiro ser que realmente são para além dos conceitos e da linguagem. Estão o tempo todo com sua consciência projetada no espaço, não passam de “autômatos conscientes que agem por reflexo no mundo”. “Este eu espacializado é um fantasma, um eu parasita criado por nossa educação, e que nos faz perder a liberdade. Quanto mais um ato se relaciona com o eu verdadeiro e fundamental, quanto mais é impregnado de todo o ser, mais livre ele é.”
Mas segundo ele, o determinista não consegue ver isso, e não vai ver a liberdade, mesmo que esta seja real e tenha sido empreendida pelo todo de um ser, porque ele precisa espacializar todas as coisas e vê-las no tempo. Ele não consegue pensar no momento mesmo da escolha vendo-a como um ato livre criado naquele instante por aquele ser, ele vai lançar esta ação no tempo, e vê-la no passado ou no futuro. Ele não vê a ação mesma se fazendo no instante presente, ele vê apenas os rastros, os fosseis que esta deixou depois que ela já ocorreu como escolha livre; ele vê o que já aconteceu, no passado, e diz: “Veja, você não foi livre, porque podemos ver todo o caminho que você seguiu, todas as causas estavam ai, você foi determinado a seguir os caminhos que percorreu.” Ou então, ele olha para o futuro, numa projeção da mente, e igualmente diz: “Veja, se você fizer algo aqui, lá na frente eu conseguirei olhar para trás, e ver no passado as marcas do que caminho que você seguiu, e novamente direi que você não teve escolhas.”