O preconceito é quase completamente social. As cotas deveriam ser todas sociais.
Ok, existem dezenas de estudos que comprovam o preconceito racial, estudos demonstram que, dentro da mesma classe social, negros tem mais dificuldade em crescer, estudos demonstram que negros tem mais dificuldade em conseguir emprego em relação aos brancos, estudos demonstram que negros recebem penas maiores pelos mesmos crimes . Demonstre que o preconceito é apenas social.
Nah, essa discussão nunca tem fim. Mas você me lembrou de um artigo lido há algum tempo (e por isso o meu "quase"), que pesquisei para uma das inúmeras discussões que tivemos sobre o assunto aqui no CC. Dei uma lida novamente, e ele apresenta dados muito bons sobre todo o assunto. Tenho certeza que os dois lados da discussão, se houver, vão achar dados interessantes para sustentar alguns dos seus pontos de vista e rever outros. Vou colar alguns trechos sobre ascensão social e educação, mas recomendo fortemente que leiam o artigo, que pode ser baixado
aqui.
Os dois primeiros gráficos das linhas dois e três indicam que não há diferença nas chances relativas de mobilidade ascendente entre pretos, pardos e brancos cujos pais estavam nas classes mais baixas. Estes gráficos comparam as chances relativas de filhos de trabalhadores rurais e de trabalhadores manuais urbanos experimentarem mobilidade ascendente para as classes de profissionais e trabalhadores não-manuais urbanos. Em nenhuma destas comparações há diferença entre as chances relativas de mobilidade de homens pretos, pardos e brancos. Por exemplo, independentemente de sua cor ou raça, os filhos de trabalhadores manuais urbanos têm 1,3 vezes mais chances de chegar à classe de profissionais do que filhos de trabalhadores rurais. Em suma, as chances de mobilidade ascendente de pessoas com origens nas classes mais baixas são inteiramente determinadas pela origem de classe e a cor da pele não tem relevância. Não há desigualdade racial nas chances de mobilidade ascendente de pessoas com origem nas classes baixas.
No entanto[...], observamos que as chances relativas de imobilidade no topo e de mobilidade descendente são diferentes para pretos, pardos e brancos. Por exemplo, filhos brancos de profissionais têm 2 vezes mais chances de permanecer nesta classe do que de descer para a classe de trabalhadores não-manuais de rotina, ao passo que filhos pretos de profissionais têm apenas 1,2 vezes mais chances. Em suma, as chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com origens nas classes mais altas são significativamente influenciadas pela cor da pele. Há desigualdade racial nas chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com origem nas classes altas.
O que estas análises sugerem é que o preconceito racial se torna mais relevante na medida em que subimos na hierarquia de classes no Brasil. Pessoas com origem nas classes mais baixas encontram dificuldades de mobilidade ascendente porque são de classes mais baixas e não por sua cor ou raça. No entanto, há evidências importantes sugerindo que, tendo origens nas classes mais altas, pessoas negras tenham desvantagens, ou seja, tenham menos chances do que os brancos com origem nestas mesmas classes de permanecer no topo e mais chances de mobilidade descendente. As análises revelam que a desigualdade de oportunidades de mobilidade social é racial apenas nas classes altas, mas não o é nas classes baixas.
A principal conclusão deste artigo é que a desigualdade racial nas chances de mobilidade está presente apenas para indivíduos com origem nas classes mais altas. Homens brancos, pardos e pretos com origem nas classes mais baixas têm chances semelhantes de mobilidade social.
Estes resultados revelam que: a desigualdade de oportunidades está presente no topo da hierarquia de classe, mas não na base desta hierarquia. Esta conclusão nos leva a sugerir que a discriminação racial ocorre principalmente quando posições sociais valorizadas estão em jogo.
Sobre ensino superior, achei interessantíssimo:
[...]Neste sentido, analisei os efeitos de raça e classe de origem nas chances de fazer seis transições educacionais: (1)
completar a 1ª série do ensino fundamental; (2) completar a 4a série do ensino fundamental, tendo feito a transição 1; (3) completar o ensino fundamental, tendo feito as transições 1 e 2; (4) completar o ensino médio, tendo feito as transições anteriores; (5) completar um ano de universidade, tendo feito as transições anteriores; e (6) completar a universidade, tendo feito todas as transições.
Até a quarta transição (completar o ensino médio) os efeitos de classe de origem são pelo menos seis vezes maiores do que o efeito de raça. Ou seja, até a quarta transição a desigualdade de classes é maior do que a de raça. Na quinta e na sexta transição (completar o primeiro ano da universidade e terminar a universidade), a desigualdade racial torna-se mais semelhante à desigualdade de classe, tendo em vista que o peso da classe de origem é apenas 2,5 vezes maior do que o da cor da pele.
[...]Finalmente, analisei os efeitos de escolaridade alcançada, raça e classe de origem nas chances de mobilidade ascendente. Nestas análises, que combinam as duas anteriores, ficou claro que o efeito da raça sobre as chances de mobilidade, levando-se em conta escolaridade e classe de origem, estão presentes apenas para pessoas com mais de 10 ou 12 anos de educação entrando na classe de profissionais, administradores e empregadores. Com mais de 12 anos de escolaridade, brancos têm em média três vezes mais chances do que não-brancos de experimentar mobilidade ascendente para as classes mais privilegiadas. Embora educação seja importante para qualquer tipo de mobilidade ascendente, a desigualdade racial está presente apenas nas chances de mobilidade para o topo da hierarquia de classes. Mais uma vez os resultados comprovam que só há desigualdade racial nas chances de mobilidade ascendente para as classes mais altas hierarquicamente.
Os resultados das análises apresentadas neste artigo indicam que há necessidade de novas sínteses teóricas sobre a relação entre classe, raça e mobilidade social. A resposta não pode ser simplesmente a de que há ou não discriminação e desigualdade racial nas chances de mobilidade.
Só um ponto para incentivar uma discussão: para entrar na faculdade, a origem social tem um peso ainda duas vezes e meio maior do que a cor da pele. Isso não reforçaria o argumento que um branco pobre está completamente lascado quando compete com um negro pobre cotista? O que acham? E por que a cor de pele, que era quase insignificante até o término do ensino médio, passa a ter um peso maior no acesso e conclusão do ensino superior?
Outra discussão boa seria sobre o fato de que para ascender das classes mais baixas, a cor de pele não faz diferença. E o fato de que a cor de pele faz diferença somente no topo da hierarquia, onde não-brancos têm menos chance de permanecerem no topo e mais chances de descerem para a parte de baixo da hierarquia do que brancos.
Minha contribuição no assunto fica por aqui.