Posso estar pegando o bonde andando, afinal não pude acompanhar a discussão na íntegra, porém percebo certas digressões que deveriam ser sanadas.
[...]
Pegando o exemplo do Saul em 1 Samuel 28:7-20, não se pode traçar um paralelo entre o médium espírita e a necromante que evocou o espírito do profeta através de feitiçaria, segundo o relato que consta no AT.
O médium espírita é um fenômeno moderno que veio a se tornar definitivo em 1848 com as irmãs Fox através do chamado telégrafo espiritual. E o telégrafo espiritual é totalmente divergente dos métodos necromantes do pretérito.
Mas a feiticeira teria materializado Samuel, e nem isso combina com o espiritualismo moderno, uma vez que as sessões de materialização ectoplasmática ocorreriam sob o conditio sine qua non de que o médium se pusesse num recinto fechado (a cabine do médium) que por sua vez estivesse localizado num recinto mergulhado na obscuridade (a luz influenciaria na suposta produção da dita matéria éter-luminífera condensada). E sabemos que em 1 Samuel 28:7-20 não ocorre nada disso, o que destoa consideravelmente do que é vulgarmente conhecido como espiritismo (espiritualismo moderno seria mais adequado).
Quanto às reencarnações, as das doutrinas e seitas antigas também nada tem a ver com as do espiritualismo moderno, e quando digo ''as'', ao invés de ''a'', é que mesmo as crenças na reencarnação e suas formas manifestas se diferiam dentro do movimento espiritualista moderno ocidental, como podemos ratificar nas discordantes opiniões entre a facção britânica e a facção continental, de maior expressividade na Gália.
Aleister, concordo quase centos por cento com sua bela ponderação. Apresento pequetitos comentários...
Não houve materialização no caso de Saul. Há quem diga que sim, há quem defenda que houve possessão. Tanto uma hipótese quanto a outra não cabe, basta examinar o texto. A necromante indagou a Saul a quem deveria chamar e, ante a informação, evocou o espírito de Samuel. O rei, talvez num resquício de dúvida, quis saber o que ela via. Quer dizer, foi a vidente quem deu a descrição do espírito e Saul achou que fosse suficiente para identificar Samuel. Toda a informação do espírito foi informação da mulher. Confira trecho:
=============================.
I Samuel 28:
11 A mulher então lhe perguntou:
Quem te farei subir? Respondeu ele: Faze-me subir Samuel.
12 Vendo, pois, a mulher a Samuel, gritou em alta voz, e falou a Saul, dizendo: Por que me enganaste? pois tu mesmo és Saul.
13 Ao que o rei lhe disse: Não temas;
que é que vês? Então a mulher respondeu a Saul: Vejo um deus que vem subindo de dentro da terra.
14
Perguntou-lhe ele: Como é a sua figura? E disse ela: Vem subindo um ancião, e está envolto numa capa.
Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra, e lhe fez reverência.15 Samuel disse a Saul: Por que me inquietaste, fazendo-me subir? Então disse Saul: Estou muito angustiado, porque os filisteus guerreiam contra mim, e Deus se tem desviado de mim, e já não me responde, nem por intermédio dos profetas nem por sonhos; por isso te chamei, para que me faças saber o que hei de fazer.
=============================.
Note que o consulente não fez reverência a uma materialização, mas ao concluir que a mulher estava em sintonia com o espírito curvou-se perante o invisível. Consequentemente, a frase “Samuel disse a Saul” não denota o rei conversando com o profeta materializado, mas a mulher falando por ele.
Não diria que há diferença radical entre a mediunidade antiga e a atual. Descontadas as ideias que vigiam naquela época sobre a situação dos mortos e o objetivo das consultas (saber do futuro) entendo que há mais similaridades que distância.
Quanto ao reencarnacionismo espírita você está correto. Apesar de não ter sido Kardec o autor do evolucionismo multividas, a concepção é moderna, do séc. XIX. De qualquer modo, provavelmente foi Rivail quem mais detidamente desenvolveu e defendeu essa ideia.
O espiritualismo inglês, via de regra, não acata a reencarnação. Os ditos espíritos que comunicam naquelas plagas não conhecem o vaivém de vidas (talvez residam no interior do reino celestial, onde tais notícias não se divulgam). Mas há alguns espiritualistas que propõem um reencarnacionismo limitado. Nessa idealização pessoas poderiam, excepcionalmente, reencarnar para completar realizações que acidentalmente foram interrompidas. Essa reencarnação não seria universal, mas exceptiva e esporádica. Conan Doyle parecia simpatizar com a proposta.