Montalvão: O conceito de ressurreição não é bem como diz, mas mesmo que fosse, não importa que seja inimaginável, importa, para efeito da presente discussão, que essa era a crença vigente entre os judeus. E, não me parece que a ICAR adote a ideia de ressurreição nos moldes que descreve. Veja trechos extraídos do Catecismo:
O conceito é o mesmo: a diferença é que para a ICAR a ressurreição dos mortos se dará no Juízo Final, muito pior, ainda.
“Muito pior”? Por que seria muito pior? É o que eles creem, com base no que interpretam da Bíblia.
No entanto, se não estou seriamente equivocado, os católicos postulam que após a morte entra-se imediatamente no gozo eterno. A ressurreição do juízo final acontecerá quando Deus der o fecho à História e implantar seu definitivo projeto no universo.
Em outras palavras: morreu já vai para seu destino: céu, inferno ou purgatório.
Outra coisa é que não se tratava de crença generalizada, visto que os Saduceus, como vc disse, não a adotava e nem os Essênios.
Os saduceus, realmente, se baseavam exclusivamente na Torá e como nesta não havia referências à vida além concluiram por sua inexistência.
Mas os fariseus e essênios eram ressurrecionistas. Releia os textos de Josefo que postei e confirmará.
Quem influenciava o pensamento popular eram os fariseus, portanto, é válido afirmar que a crença na ressurreição fosse comum.
MONTALVÃO: Kardec utilizou argumento parecido com o seu, para alegar que a ressurreição seria ilógica, consequentemente (na cabeça dele), os judeus só poderiam estar pensando em reencarnação quando falavam de ressurreição! Quer dizer, o codificador da doutrina pretendeu coagir os antigos a pensarem como ele queria que pensassem!
Com frequência vc e o Gorducho,"entram na cabeça de Kardec" e elaboram seus argumentos dizendo que ele pensava assim ou assado... Que ele pretendia isso ou aquilo... Que ele se inspirou neste ou naquele autor ou cultura...
É uma tática, mas não é correta.
Não adequado é desqualificar os argumentos adversários sem apresentar contra-argumentos que os rebatam. Citei uma fala de Kardec e o que dela considerei extraível; você apenas condenou a “tática”: esta é que não é tática correta...
Para melhor enriquecer nossa reflexão, cito parte maior do texto com minhas apreciações. Aqui terá material suficiente para conferir minha “tática” e, se quiser, refutá-la com argumentação fundamentada:
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TEXTO ESPÍRITA: Muitas pessoas, querendo depreciar o Espiritismo, dizem que a reencarnação, na qual acreditamos, foi tomada do hinduísmo ou de uma crença popular qualquer. Certamente que apelando para o tal de “paganismo”, como se isso fosse o bastante para derrubar a nossa convicção nessa lei divina. Para que fique bem claro, vejamos o que o próprio Kardec disse a esse respeito:
MONTALVÃO: É fato que Allan Kardec não “inventou” a hipótese reencarnacionista (nem mesmo o modelo vigente no meio espírita foi obra dele): muito antes, a ideia, sob diversas roupagens, se apregoava em pontos variados do globo. Inclusive, na sociedade francesa, contemporânea a Rivail, concepções das múltiplas existências eram divulgadas. O reencarnacionismo evolutivo, que foi o adotado por Rivail Denizard, gozava apreço em círculos intelectuais na França e em partes da Europa, mesmo antes de Kardec aderir ao espiritualismo. Dificilmente Allan Kardec desconheceria essas proposições e somos levados a supor que simpatizasse com elas.
KARDEC: A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o homem muitas existências sucessivas,
é a única que corresponde à ideia que fazemos da justiça de Deus, com respeito aos homens de formação moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. [/b]A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam. [/b]
MONTALVÃO: Consideremos a primeira parte do fecho da reflexão: “A razão no-la indica”. O que Kardec diz-nos é que, dentro da concepção de justiça divina, por ele acatada, o reencarnacionismo seria a proposta que com ela melhor harmonizava. É patente a predileção de Kardec pela reencarnação como projeto salvacionista: somente ao final do discurso, após exaltar as qualidades lógicas da suposição reencarnacionista, noticia que era ensinamento dos espíritos (porém, estrategicamente,
não informa que fora ensino de alguns “espíritos” , não de todos).
KARDEC: O dogma da reencarnação, dizem algumas pessoas, não é novo; foi ressuscitado de Pitágoras.
Jamais dissemos que a Doutrina Espírita fosse uma invenção moderna. Por constituir uma lei da Natureza, o Espiritismo há de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos em provar que se encontram sinais dele na mais remota Antiguidade. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do sistema da metempsicose; ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, onde existia desde tempos imemoriais.
MONTALVÃO:
os egípcios não eram reencarnacionistas, a rotina religiosa egípcia, e seus escritos a respeito do julgamento dos homens após a morte, aponta para a ideia de ressurreição, não de reencarnação.]
KARDEC: A ideia da transmigração das raças formava, pois, uma crença vulgar, admitida pelos homens mais eminentes. De que maneira chegou até eles? Por uma revelação, ou por intuição? Não o sabemos. Mas, seja como for, uma ideia não atravessa os séculos e nem é aceita pelas inteligências de escol, se não contiver algo de sério.
Assim, a antiguidade dessa doutrina seria mais uma prova a seu favor do que uma objeção. MONTALVÃO: “Ser antiga” não dá peso evidenciativo a qualquer idealização. Algumas crenças se mantêm vivas por longo tempo por motivos variados, porém a longevidade não pode ser considerada comprovação. Historicamente, a crença na reencarnação é relativamente recente, embora Kardec tenha erroneamente afirmado que vem “desde a origem dos tempos”. As civilizações mais antigas, como egípcios, mesopotâmios, chineses, não cultivavam conjecturas reencarnacionistas.
Em algumas nações, a ideia de múltiplas existências foi incorporada ao pensamento de certos grupos, passando a concorrer com outras postulações, conforme aconteceu na Grécia. Nesta, a hipótese multividas foi valorizada em comunidades esotéricas.
Mesmo na Índia, onde as idealizações reencarnacionistas são bem distintas das apregoadas pelo kardecismo, a suposição de muitas existências não constava em escritos religiosos primitivos. Os registros indianos mais antigos não falam de vidas continuadas. Portanto, é incorreta a afirmação de que a reencarnação seja “crença imemorial”.
KARDEC: Todavia, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação há, como também se sabe, uma grande diferença: a de os Espíritos rejeitarem de maneira absoluta a transmigração da alma do homem para os animais e vice-versa.
MONTALVÃO: Podemos replicar que os “espíritos” respondem conforme seus cultuadores desejam. Não esqueçamos que entre os espíritas ingleses, onde a reencarnação é repudiada, a espiritualidade também a renega.
A metempsicose foi rejeitada pelos alegados espíritos que assessoravam Kardec porque destoava do projeto reencarnacionista por ele adotado, e os “entes espirituais” fizeram eco ao pensamento do codificador. Provavelmente, se fosse consultada a “espiritualidade” de regiões cultivadoras da metempsicose, utilizando-se de médiuns que nela acreditassem, fosse manifesta empolgada aprovação à transmigração de almas em corpos animais.
KARDEC: Vós estáveis, sem dúvida, dizem também alguns contraditores, imbuídos dessas ideias, e eis porque os Espíritos se aterraram à vossa maneira de ver.
MONTALVÃO: É mais ou menos como dissemos acima, e esta é uma boa objeção, à qual Kardec respondeu como pode. É fato que os “espíritos” refletem, e frequentemente repetem, o pensamento dos vivos: em verdade, as ditas revelações espirituais não são recados inéditos, provindos de legítima sabedoria transcendental, nada: são ecos de anseios terrenos a respeito do que se supõe seja o mundo além.
Vemos que naqueles dias, os críticos haviam percebido esse ponto. Adiante veremos como Kardec se defendeu.
Quanto à metempsicose, esse pensamento ainda é acatado em diversas religiões asiáticas. Se seguirmos a alegação de Kardec, de que a antiguidade de uma crença testifica em seu favor, nesse caso, o crente deveria ficar com a metempsicose, por ser idealização mais vetusta.
Kardec diz ter buscado o consenso dos espíritos e informa que a espiritualidade unanimemente rejeitara a metempsicose. Porém, essa unanimidade aconteceu entre os espíritos que Kardec dizia consultar, pois não sabemos se as almas asiáticas, caso fossem evocadas, também denegariam a reencarnação em corpos de irracionais. Além disso, mesmo a unanimidade espiritual-européia, afirmada por Kardec, não foi absoluta, conforme afiança: os “espíritos” ingleses, ao rejeitaram a reencarnação, repudiaram tanto a metempsicose, quanto as múltiplas vidas kardecista.
KARDEC: Aí está um erro que prova, uma vez mais, o perigo dos julgamentos apressados e sem exame. Se essas pessoas tivessem se dado ao trabalho de lerem o que escrevemos sobre o Espiritismo, teriam se poupado apenas de uma objeção feita muito levianamente. Repetiremos, pois, o que dissemos a esse respeito, saber que,
quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, ela estava tão longe do nosso pensamento, que tínhamos feito, sobre os antecedentes da alma um sistema diferente, de resto, partilhado por muitas pessoas.
A doutrina dos Espíritos, sob esse assunto, portanto, nos surpreendeu; diremos mais, contrariou, porque derrubou as nossas próprias ideias; ela estava longe, como se vê, de ser-lhe o reflexo. Isso não é tudo; não cedemos ao primeiro choque; combatemos, defendemos a nossa opinião, levantamos objeções, e não nos rendemos senão à evidência, e quando vimos a insuficiência do nosso sistema para resolver todas as questões que esse assunto levanta.
MONTALVÃO: Kardec faz sua defesa, ante a acusação de que os recados reencarnacionistas dos espíritos seriam reflexos daquilo em que acreditava, afirmando que, antes de ter conversado com os desencarnados, sua convicção fora contrária às múltiplas vidas.
Só que, ao dizer tal coisa, parece entrar em contradição, uma vez que ao início do escrito, explica-nos que dois foram os motivos que o levaram a optar pelo reencarnacionismo: a razão, e os espíritos. Ele assevera que seu primeiro contato com o reencarnacionismo veio da espiritualidade. Então, submeteu a proposta ao crivo da razão, o que o fez perceber a logicidade das múltiplas existências e, finalmente, cedeu.
Mas, e anteriormente, a razão não lhe dera indicações de que a melhor escolha seria essa? Quais teriam sido as primeiras razões de Kardec e as derradeiras? A desculpa de Kardec de que jamais examinara proposições reencarnacionistas, só o fazendo após ter conversado com espíritos soa-nos de difícil aceitação.
KARDEC: Raciocinamos, como dissemos, abstração feita de todo ensino espírita que, para certas pessoas não é uma autoridade. Se nós, e tantos outros,
adotamos a opinião da pluralidade das existências, não foi somente porque ela nos veio dos Espíritos, mas porque nos pareceu a mais lógica, e que só ela resolve as questões até agora insolúveis. Se viesse de um simples mortal e a adotaríamos do mesmo modo, e não hesitaríamos antes em renunciar à nossas próprias ideias; do momento em que um erro é demonstrado, o amor próprio tem mais a perder do que a ganhar obstinando-se numa ideia falsa.
Do mesmo modo, teríamos repelido, embora vinda dos Espíritos, se ela nos parecesse contrária à razão, como as repelimos muitas outras, porque sabemos, por experiência, que não é preciso aceitar cegamente tudo o que vem de sua parte, não mais do que vem da parte dos homens.
MONTALVÃO: Kardec diz algo muito sério: foi ele próprio o filtro que acatou e rejeitou no espiritismo o que achou por bem. Aqui deparamos problema, sério problema. Suponhamos que a reencarnação lhe contrariasse a razão, conforme contrariou a razão dos espíritas ingleses, mas, fosse ensinada pela universalidade dos espíritos por ele consultados. O que faria Kardec?
Além disso, o fato de o codificador monopolizar a escolha do que era cabível ao espiritismo não dá a doutrina garantia alguma de que as opções por ele feitas foram as corretas. Melhor se sairia se elegesse colegiado para conjuntamente avaliar os recados mediúnicos.
O que para Rivail soara de lógica cristalina, para os espíritas ingleses parecia coisa insensata. Vejamos o que um autor inglês dizia da “lógica” reencarnacionista.
“Quando a Reencarnação assumir um aspecto mais científico, quando puder oferecer um demonstrável conjunto de fatos que admitam verificação como os do Moderno Espiritismo, merecerá ampla e cuidadosa discussão. Por enquanto, que os arquitetos da especulação se divirtam como quiserem, construindo castelos no ar. A vida é muito curta e há muito que fazer neste mundo atarefado, para que deixemos os vagares e as inclinações a fim de nos ocuparmos em demolir essas estruturas aéreas ou apontar os frágeis alicerces em que se assentam. É muito melhor trabalhar naqueles pontos em que concordamos, do que nos engalfinharmos sôbre aqueles em que parece que divergimos tão desesperadamente.” (História do Espiritismo – Arthur Conan Doyle)
KARDEC: Temos, pois, como se vê, muitos motivos para não aceitarmos, levianamente, todas as teorias dadas pelos Espíritos. Quando uma nos surge, nos limitamos ao papel de observador; fazemos abstração de sua origem espírita, sem nos deslumbrarmos pela imponência de nomes pomposos; nós a examinamos como se ela emanasse de um simples mortal, e vemos se é racional, se dá conta de tudo, se resolve todas as dificuldades.
Foi assim que procedemos com a doutrina da reencarnação que não adotamos, embora vinda dos Espíritos, senão depois de reconhecer que só ela, mas só ela, podia resolver o que nenhuma filosofia ainda não resolvera, e isso abstração feita das provas materiais que dela são dadas, cada dia, a nós e a muitos outros. Pouco nos importa, pois, os contraditores, fossem eles mesmo Espíritos; desde que ela é lógica, conforme a justiça de Deus; que eles não podem substituí-la por algo mais satisfatório, não nos inquietamos mais com eles do que com aqueles que afirmam que a Terra não gira ao redor do Sol - porque há Espíritos dessa força e que se dão por sábios - ou que pretendem que o homem tenha vindo inteiramente formado de um outro mundo, carregado nas costas de um elefante alado.
MONTALVÃO: Talvez sem perceber, Kardec se complica, pois está a dizer que o critério maior, que o norteou na elaboração da doutrina, foi seu próprio juízo e sua predileção por essa hipótese.
De certa forma, o que se declara é o seguinte: “aceitei a proposta reencarnacionista porque ela é lógica, e porque os espíritos a ensinam”. Até aí tudo bem, contudo diante da informação de que espíritos em outras plagas rechaçam tal concepção, Kardec retrucaria: “não importa, a doutrina continua sendo lógica”. Portanto, os reais critérios de escolha foram as particulares predileções do codificador.
Além disso, que garantia têm os espíritas de que o “filtro lógico” utilizado por Kardec foi eficiente em todas as situações? Ele afirmava que, diante de ensino novo promanado dos espíritos, observava, examinava, avaliava.
Assim deve ter feito com a suposição de que
a totalidade dos corpos celestes seja habitada; com
a ideia de a alma sair do corpo durante o sono, e
com a reeencarnação. Ora, se Rivail falhou com sua filtragem lógica em pontos tão importantes quanto a evolução reencarnativa, por que não poderia falhar ao eleger essa crença?
KARDEC:
O próprio princípio da reencarnação que tinha, no primeiro momento, encontrado mais contraditores, porque não era compreendido, hoje é aceito pela força da evidência, e porque todo homem que pensa nele reconhece a única solução possível dos maiores problemas da filosofia moral e religiosa. Sem a reencarnação, para-se a cada passo, tudo é caos e confusão; com a reencarnação tudo se esclarece, tudo se explica da maneira mais racional; se ela encontra ainda alguns adversários, mais sistemáticos do que lógicos, o número deles é muito restrito; ora, quem a inventou? Não foi, seguramente, nem vós e nem eu; ela nos foi ensinada, nós a aceitamos, eis tudo o que fizemos.
De todos os sistemas que surgiram no princípio, bem poucos sobrevivem hoje, e pode-se dizer que os seus raros partidários estão, sobretudo, entre as pessoas que julgam sob um primeiro aspecto, e, frequentemente, segundo ideias preconcebidas ou preconceitos; mas é evidente agora que, quem se dá ao trabalho de aprofundar todas as questões e julga friamente, sem prevenção, sem hostilidade sistemática, sobretudo, é invencivelmente conduzido, pelo raciocínio quanto pelos fatos, à teoria fundamental que prevalece hoje, pode-se dizer, em todos os países do mundo.
MONTALVÃO: Kardec mostra-se mais empolgado que lógico. Esticasse ele o olhar um pouquinho mais, veria que, poucos quilômetros além, na Inglaterra, espíritas não-reencarnacionistas bradavam contrariamente à reencarnação, assessorados pela mesma suposta espiritualidade à qual Kardec recorrera.
Até mesmo em França Pierárt comandava vertente espírita contrarreencarnacionista.
É falaciosa a afirmação de Rivail, de que a “teoria fundamental” prevalecia em “todos os países do mundo”.
Será que os espiritualistas anglo-americanos não “aprofundaram as questões” a respeito do princípio da reencarnação, conforme sugeriu Rivail?
O mais provável é que tenham refletido sobre a proposta e a rejeitaram! Por que será que não acharam nela os mesmos predicados que Kardec encontrou? A resposta parece-nos mui clara: a escolha se resumiu na simpatia que o codificador espírita votava ao reencarnacionismo.
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: A tese da reencarnação foi para mim, no inicio, o ponto forte da DE.
Explicava com clareza e lógica os intricados problemas filosóficos e religiosos que se nos deparam ao longo da vida. Elimina das religiões o céu e o inferno como moradas eternas dos que desencarnam. Igualmente abole a crença em demônios e anjos como seres criados à parte dos homens.
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Montalvão: Se você acha que a hipótese da reencarnação seja tudo de bom, respeita-se, mas seu otimismo parece-me excesso de otimismo. Como se explica que um processo capaz de tudo explicar tenha embutido um óbice descomunal, que é a ausência de recordações de nossas vidas passadas?
Veja companheirão; na verdade a base racional e lógica de sua refutação consiste neste argumento único: o esquecimento das vidas passadas.
As outras alegações não têm importância, pois como eu disse não passam de semântica ou textos apanhados aqui e ali; sei que, objetivo como é, de algum modo você concorda.
Realmente, o óbice básico contra a reencarnação está na ausência de recordações, e ele se espraia pelos óbices secundários, como a objeção contra o alegado de a reencarnação promover a melhor justiça.
Entretanto, o estudo da inserção do dogma reencarnacionista na doutrina formulada por Rivail nos diz bastante a respeito de como as coisas ocorreram e mostra-nos a improbabilidade de que espíritos tivessem participado dessa empreitada.
Então, como já havia exposto anteriormente, reitero:
O esquecimento do passado é quase, misericórdia divina, pois as guerras não terminariam, os desafetos prosseguiriam, as discriminações, vícios... e por ai vai.
Este é o seu argumento para justificar a ausência das indispensáveis lembranças. Porém, sua tese esboroa-se facilmente ante uma avaliação crítica, pois o sistema poderia vir com as lembranças e com mecanismos que evitassem os conflitos: Deus seria suficientemente inteligente para produzir algo assim.
Não admita você que adentrando a outra vida mudemos de imediato nossas preferências, condição moral, e que transformemos vícios e paixões em virtudes.
Retornando à carne a primeira coisa a fazer seria procurar o inimigo para o acerto de contas... O sexo desvairado não perderia seu império sobre tal homem... a droga, o álcool, etc.
A esposa que traiu, se envergonharia ante os filhos, que também tomariam conhecimento dos fatos... talvez até enlouquecesse, no arrependimento, etc.
Meu caro: vendes problemas para pregar sua ideologia. Não haveria dificuldade alguma: bastaria que as lembranças de outras vidas viessem junto com sentimentos neutros, que servissem tão somente para dar o rumo que o reencarnado devesse seguir na senda da evolução. Assim aceleraria grandemente sua caminhada em prol da definitiva libertação: bastaria mais uma existência para equacionar as dívidas, excepcionalmente duas...
Mas, do jeito que a mercadoria é oferecida, reencarna-se vezes sem conta, às cegas, sem a menor noção de estar indo na direção certa ou para o abismo...
Mas não é apenas no campo de nossos males e defeitos, não!
O progresso individual se estancaria quase por completo pois o pianista seguiria a mesma profissão; o matemático, o pedreiro, o professor... Ou seja, as aptidões e vocações deixariam de surgir e tudo se torna uma repetição do que já fomos; pois isto é mais prático, até mesmo para se ganhar o sustento; em vez de garimpar em outras áreas ou profissões ficaríamos naquela que dominamos.
Tá certo: agora a reencarnação é quem decide nossas potencialidades: adeus genética e hereditariedade...
Finalmente, até a morte perde o sentido ante a proposta divina da evolução: Para quê?
Se vamos e voltamos da mesma forma, qual o propósito de um estágio no mundo espiritual, se nada vai mudar?
Quem está propondo um troço desses é você, não concordo que seria assim se houvessem as indispensáveis recordações. Pense pelo outro lado, tente e verá, como as coisas funcionariam melhor se nos lembrássemos de nossas outras vidas e pudéssemos continuamente corrigir nossos desvios.
Você defende com tanta veemência a necessidade de não termos recordações porque tem muito carinho pela ideia reencarnativa, qual Kardec tinha, e não encontra outra espectativa para sua vida além (caso haja vida além). Se, porém, pensar de forma crítica, vai se arrepiar ante a ameaça de ficar num ir e vir de uma dimensão a outra, sempre acumulando novos débitos e mais sofrimentos, enquanto o paraíso o espera desde sempre.
O caso é que a ausência de recordações mata bem matadinha a ideia de que nosso destino seja esse vaivém de vidas pela eternidade a dentro...
Enfim, analogamente, do lado de lá é mais ou menos como o homem sem moral que, aqui na terra, ao se converter a uma religião nos primeiros momentos sente o benefício da conversão mas, com pouco, retorna exatamente ou pior ao que era antes. Nada mudaria.
O esquecimento resume o exato sentido da palavra recomeço. Tábula rasa.
Se for tábula rasa então não há o que quitar. Uma vida zerada é uma nova vida que estaria aqui apenas para fazer novas dívidas, que serão zeradas após a morte. Assim perde o sentido o apelo à reencarnação. As multiexistências seriam apenas uma brincadeirinha divina com suas criaturas, tipo: vai reencarnar enquanto eu me divertir com o folguedo...
Quer dizer, não há argumento satisfatório que apoiem uma caminhada reencarnativa sem as indispensáveis recordações dos atos pregressamente praticados e dos caminhos necessários a regularizá-los.
Contudo, persistem as intuições, os valores morais adquiridos, vocações que surgem ou desaparecem pela programação reencarnatória, etc.
Outra alegação vazia. Se não há recordações nada pode ser confirmado em termos de intuições de outras vidas. São apenas declarações vazias de significado. Se sinto uma dor diferente posso acreditar que seja castigo de pecado cometido em existência passada, mas sem ter como confirmar objetivamente a conjetura será mera fantasiação.
Haveria, sim, um benefício:
a certeza da existência numa vida depois desta. Mas já não nos é ensinado isto, em todas as religiões? E mesmo os que têm a convicção disto, por acaso são diferentes dos demais? Pense e responda.
A crença na reencarnação é insuficiente para produzir evidências de sobrevivência. A rigor ninguém pode alegar certeza de que vai viver depois desta vida, pode apenas ter fé, ou esperança.
Agora, se toda humanidade, indistintamente, trouxesse consigo nítidas recordações de que viveu outras vidas, aí a coisa mudaria de figura. O saber humano muito se aprimoraria, claros na História seriam facilmente preenchidos, mistérios e dúvidas sobre acontecimentos passados seriam elucidados e o saber de forma geral se aprimoraria. Além disso, a corrupção que devasta a moral de muitos povos cessaria de existir; a exploração dos desafortunados não seria conhecida; as injustiças sociais acabariam ; os que fossem tentados a praticar o mal pensariam duas vezes. Enfim, teríamos um mundo muito melhor e todos seriam felizes...
Pena que não existe reencarnação...