Citação de: JungF
Veja uma narrativa completa na obra "Kardec, Irmãs Fox e Outros" de Jorge Rizzini.
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Continuando com trechos do livro de Barbara Weisberg:
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Kate voltou da Inglaterra para os Estados Unidos em meados de outubro de 1888, e é inquestionável que o fez no intuito de formar uma frente comum com Maggie para atacar Leah e o espiritualismo, embora tenha negado estar a par do tumulto criado pelo artigo no Herald. [...]
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Kate endossou a denúncia de Maggie de que o espiritualismo era uma teia de mentiras, dizendo que era “uma falcatrua do início ao fim”. Era verdade que Horace Greeley a tinha colocado na escola, contou Kate ao repórter, mas, de resto, o livro de Leah sobre a vida e o trabalho das irmãs Fox era completamente fantasioso.
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Maggie prometera fazer uma aparição pública expondo o espiritualismo como fraude, e o evento tão anunciado aconteceu na Academia de Música de Nova York no dia 21 de outubro de 1888. Naquela manhã, o World publicou uma matéria de página inteira sobre as irmãs Fox, acompanhada de uma longa declaração de Maggie, escrita em primeira pessoa. Como as histórias contadas no seu The Love-Life of Dr. Kane e no The Missing Link in Modern Spiritualism de Leah, o conteúdo da confissão de Maggie era uma mescla de fato, invenção e ininteligibilidade.
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Um dos objetivos principais foi desacreditar a irmã mais velha. Leah ousara dizer que Kate era uma mãe inepta, que maltratava os filhos. Apesar de todo o zelo dos guardiães do bem-estar das crianças da Sociedade Gerry, Maggie virou a mesa com a destreza de um espírito. Era Leah quem abusava de crianças inocentes, declarou ela, que manipulava garotas que não sabiam se proteger e ficavam impotentes sob a influência traiçoeira de adultos cruéis e egocêntricos.
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“Minha irmã Katie e eu éramos muito pequenas quando essa horrível farsa começou. Eu tinha oito anos, apenas um ano e meio a mais que ela”, começou Maggie, subtraindo cerca de cinco anos de suas verdadeiras idades à época.
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Ela e Kate eram arteiras, reconheceu Maggie, e gostavam de aterrorizar a mãe, uma mulher boa que se amedrontava facilmente. Mais tarde, Maggie se lembraria de como elas também gostavam de assustar a séria Lizzie, filha de Leah.
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Como crianças tão pequenas poderiam ser responsáveis por seu próprio comportamento? Uma vez estabelecido o seu mítico estado de inocência, Maggie deu sua versão sobre como as batidas começaram.
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“De noite, quando íamos para a cama”, disse, “costumávamos amarrar uma maçã a um barbante e puxávamos a ponta do barbante para cima e para baixo, fazendo com que ela batesse no chão. Ou, então, nós deixávamos a maçã cair no chão, fazendo um barulho estranho toda vez que ela quicava”.
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Deixar maçãs caírem, porém, não era o único truque na proverbial manga das irmãs Fox, ao menos de acordo com a declaração de Maggie ao World. Além de largarem maçãs, elas passaram a fazer sons de batidas com as juntas dos dedos — descoberta feita primeiro por Kate, com os dedos das mãos, e que ambas as meninas logo aprenderam a reproduzir com os dedos dos pés.
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“As batidas são simplesmente o resultado de um controle perfeito dos músculos da perna abaixo do joelho”, contou Maggie, endossando o pesado jargão dos médicos de Buffalo e de outros expoentes da teoria dos estalos de juntas e ossos, “que governam os tendões dos pés e permitem a ação das articulações e dos ossos do calcanhar, que normalmente não são conhecidos”.
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Os vizinhos da família em Hydesville e em Rochester foram investigar as batidas, lembrou-se Maggie, mas sem resultado. “Ninguém suspeitava de que estivéssemos pregando uma peça, pois éramos meninas muito pequenas”, afirmou ela no World. “Fomos induzidas de propósito por Leah e, sem querer, por nossa mãe. Nós a ouvíamos dizer sempre: ‘Seria um espírito descorporificado que se apossou das minhas queridas meninas?’”
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Embora ela e Kate tenham adorado enganar os adultos, Maggie insistiu em ter sido Leah quem as forçara a continuar enganando, levando-as a Rochester, onde elas “eram exibidas para um bando de espiritualistas fanáticos. [...] A sra. Underhill chegava a ganhar de cem a 150 dólares por noite. Ela embolsou tudo”.
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Leah desejava fundar uma nova religião, revelou Maggie. Com esse intuito, ela não só garantiu às irmãs mais novas que ela mesma recebia mensagens de espíritos, mas também tentou instilar nelas sua crença declarada nas visitações espirituais. Porém, ao mesmo tempo — e aqui Maggie ressaltou uma contradição espantosa —, Leah havia combinado truques, chegando a dar dicas para quando bater sim ou não nas sessões.
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Quando estava com 13 anos, prosseguiu Maggie, dando início a um novo capítulo de sua história pessoal, ela conheceu o dr. Kane, a quem confiou imediatamente o seu ódio pelo espiritualismo. Dizendo-se viúva de Kane, como vinha fazendo havia muitos anos, Maggie expressou sua esperança de que, se “aqueles que amamos e morreram antes de nós puderem olhar para baixo e nos ver do Paraíso — se nós pudermos, algum dia, voltar a nos encontrar! —, eu sei que meu falecido marido está olhando para mim agora e me abençoando pela minha obra”.
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Depois da morte do marido, a pobreza a havia levado de volta à vida de médium. Ela vira tanta farsa, disse, concluindo sua declaração ao World, que resolveu “afirmar categoricamente que o espiritualismo é uma fraude da pior espécie”. E ela devia todos os seus infortúnios a Leah.
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Naquela noite de 21 de outubro de 1888, a Academia de Música estava abarrotada de combatentes ruidosos até o teto: espiritualistas convictos contra os que vieram triunfantes para ouvir Maggie Fox Kane, a médium internacionalmente famosa, tratar do que estava sendo chamado de “golpe mortal” no movimento.
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Quando ela terminou a sua declaração, o dr. Richmond chamou vários médicos ao palco. Maggie tirou um sapato e colocou o pé, protegido apenas pela meia, sobre uma mesinha de pinho. Batidas agudas foram ouvidas pelo teatro. O repórter do New York Tribune escreveu que os sons foram se tornando mais altos, “deslocando-se pela parede e pelo telhado da Academia”.
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Enquanto as batidas continuavam, os médicos examinaram solenemente os pés de Maggie — procedimento a que a platéia respondeu com riso sugestivo e comentários grosseiros. Então, Maggie subiu na mesa para outro exame, depois do qual os médicos anunciaram que as batidas eram produzidas, em realidade, pelo dedão do pé.
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Ninguém pareceu questionar se as batidas produzidas pelo dedão de Maggie eram complementadas por outros meios, se o próprio dr. Richmond poderia ter aliados no auditório dispostos a aumentar o tipo de sinfonia pela qual os espíritos haviam ficado famosos.
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Os médicos de Buffalo e C. Chaucey Burr, nos anos 1850, tinham acertado sobre juntas e músculos, ligamentos e tendões, das pernas e dos pés humanos. Adequadamente manipulados, eles podem, de fato, ser barulhentos. Em um teatro com boa acústica, mesmo os membros da platéia sentados ao fundo da galeria podem ouvir os atores estalarem os dedos. Mas exatamente quanto barulho o corpo humano tem de produzir para evocar um coro de vozes espirituais?
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Assim como elementos da confissão de Maggie podem ser questionados, é tentador se perguntar se ela ou o dr. Richmond teriam revelado todos os notáveis segredos dos barulhos misteriosos.
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A confissão de Maggie fornece peças novas e importantes para a resolução do quebra-cabeça. Quais peças se encaixam de maneira satisfatória? Quais não se encaixam de jeito nenhum? Será que as irmãs Fox realmente se dedicaram a uma fraude deliberada durante um período de quarenta anos? Se for esse o caso, quais foram os seus motivos, e como conseguiram preservá-la tão bem?
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Maggie alegou, em sua confissão, que ela e Kate foram vítimas da ambição e da ganância de Leah. Não havia a menor dúvida de que as duas meninas mereciam ser mais bem protegidas, mas permanecem perguntas menos evidentes sobre quem poderia, ou deveria, prover essa proteção, e contra que forças isso se daria em tempos de mudanças rápidas.
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A natureza tão pessoal das mensagens de Kate inevitavelmente suscita a possibilidade de que os seres invisíveis que falavam por seu intermédio representassem uma parte dela mesma, de que ela desenvolvera o que mais tarde veio a ser chamado de personalidade dupla ou personalidade cindida.
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Porém, no campo da psicologia, a existência de tal distúrbio é controversa; além disso, o inconsciente talvez seja a única entidade tão enganadora quanto um espírito.
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Kate é a peça central do mistério das irmãs Fox. Ela foi a primeira, de acordo com Maggie, a produzir as batidas. A primeira médium, como disseram sua mãe, Capron e Leah. A irmã Fox que mais chamou a atenção dos investigadores, como Partridge e Greeley. Charlatã, mágica, médium
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Alguns espiritualistas reagiram à confissão e às acusações de Maggie com compaixão. Várias semanas após sua apresentação na Academia de Música, o espírito de Samuel B. Brittan, antigo editor do Spiritual Telegraph, emitiu a sua opinião em uma sessão, supostamente comunicando-a do outro mundo — a Terra do Verão, como os espiritualistas o chamam.
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“A vida não tem sido muito ensolarada” para as irmãs Fox, reconheceu o espírito. Embora Maggie seja uma médium autêntica, com maravilhosos poderes, “a hoste de espíritos que participava das sessões de Margaret Fox na fase inicial de sua carreira” não mais a acompanhava. “Outras inteligências invisíveis, sem escrúpulos no trato com a humanidade”, haviam se tornado seus companheiros traiçoeiros. As irmãs Fox, avisou o espírito de Brittan, tinham se tornado “falsas testemunhas”.
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Outros espiritualistas mortais contra-atacaram dizendo que Maggie havia trocado de lado apenas por razões financeiras. Como ela parara de ganhar o suficiente como médium, argumentavam, ela resolveu se sustentar como um dos críticos mais ferrenhos do movimento. O Banner of Light anunciou que ela estava em turnê com o dr. Richmond, o dentista-mágico, para ganhar dinheiro em cima da demonstração do dedão do pé, mas que, em um das estadas, ela parecia tão mal que o recepcionista do hotel concluiu que ela era “uma vítima de dipsomania”.
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Uma terceira estratégia adotada pelos espiritualistas foi lembrar, dentro do movimento e para o mundo em geral, que Kate e Maggie eram apenas incidentais à história do espiritualismo. Em uma declaração feita na Sociedade do Templo Espiritual de Boston, a médium R. S. Lillie lembrou à platéia que “essas meninas eram tão fundadoras do espiritualismo quanto as cadeiras, mesas ou rabanetes que foram atirados de um cômodo para o outro da casa [de Hydesville]”.
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Com medo de que seus ouvintes não captassem direito a mensagem, a sra. Lillie ressaltou que Kate e Maggie “foram tão somente instrumentos nas mãos de inteligências invisíveis que antes obraram por intermédio de Andrew Jackson Davis e outros mesmerizados, tendo ele dado ao público os resultados espirituais de maior relevância”.
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Leah manteve-se discreta e conseguiu evitar os conflitos e acusações de culpa, ao menos por parte de outros espiritualistas. Ela e o marido, Daniel, deram prosseguimento ao padrão que haviam estabelecido quando se casaram, em 1858, mais de trinta anos antes. Os dois recebiam seu grupo de amigos em sua confortável casa e enchiam o salão com o som de conversas animadas e, talvez, ainda com as eventuais batidas imortais. Um amigo mais tarde recordou que a mesa de Leah, a mesma em que as irmãs Fox haviam realizado suas sessões em Rochester, era grande e “raramente apresentava um lugar vago ao seu redor”.
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Nos meses que se seguiram imediatamente aos eventos da Academia de Música, Kate andou viajando e dando palestras ocasionais contra o espiritualismo, indo inclusive a Rochester — a cidade onde os nomes dela e de Maggie começaram a construir sua reputação. Um cartaz gritante, ilustrado com um desenho de Kate em uma sessão de batidas com o czar russo, anunciava:
ESPIRITUALISMO MODERNO
Nascido em 31 de março de 1848
Falecido em Rochester em 15 de novembro de 1888
Aos 40 anos, 7 meses e 15 dias
Nascido do engodo
Morto de engodo
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Em janeiro de 1889, entretanto, Kate escreveu a uma amiga dizendo que achava que poderia ganhar dinheiro provando que as batidas não eram feitas com os dedos. “Tantas pessoas vêm até mim para perguntar sobre a confissão de Maggie que eu tenho até que me recusar a falar com elas. Estão fazendo uma força enorme para expor a história toda, se puderem”, reclamou ela, acrescentando em seguida, sem explicação, “mas é claro que não podem”.
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Um repórter do Rochester Democrat and Chronicle comentou que Kate estava “nas mãos de um acusador profissional do espiritualismo” e que ela falava de uma maneira treinada e inautêntica, como quem repete de cor, e não do coração. O repórter não indicou se, além de transmitir sua declaração, ela demonstrou a técnica do estalo de dedos, mas concluiu que Kate não perdera a fé nos espíritos.
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A alguns espiritualistas parecia que a guerra de Maggie contra os espíritos também não fora autêntica. Em 6 de novembro de 1889, depois da confissão pública, Maggie se retratou do ataque devastador em uma entrevista conduzida na presença de Henry J. Newton, presidente da Primeira Sociedade de Espiritualistas nova-iorquina e membro da Academia de Ciência de Nova York. Sua esposa e duas outras testemunhas estavam presentes.
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“Quem dera Deus pudesse me ajudar a desfazer a injustiça que cometi contra a causa do espiritualismo, sob a forte influência psicológica de pessoas que se opõem a ele”, admitiu Maggie. “Exprimi pronunciamentos que não têm fundamento nos fatos e que, na época, podiam expor ao descrédito os fenômenos espirituais.”
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Sua decisão de se retratar, segundo ela, não foi tomada por vontade própria, e, sim, por um impulso vindo de seus guias espirituais. Senão, teria preferido evitar os insultos que já esperava ouvir contra ela de todos os lados — por parte de quem a encorajara na sua primeira confissão e dos espiritualistas que tentavam, agora, apaziguar.
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Questionada sobre o motivo de sua retratação, se era para se vingar de quem lhe prometera recompensas financeiras ao expor o espiritualismo, Maggie fez questão de dizer que só queria esclarecer as coisas. Ela atribuiu parte da culpa pela primeira confissão, de maneira um tanto vaga, a poderosos católicos que a haviam pressionado a rejeitar o espiritualismo. E provável que, como ela alegara ter se convertido ao catolicismo, a Igreja, de fato, desaprovasse a sua prática continuada de realizar sessões. Falar com os mortos, para a Igreja Católica, era considerado mais uma questão de exorcismo do que de celebração.
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Ela testemunhou que não foi subornada por espiritualistas ricos a fim de se retratar. Porém, admitiu candidamente que esperava ganhar algum provento ao retomar suas viagens e palestras — dessa vez, a favor do espiritualismo.
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“Minha grande ambição é reparar o dano que causei”, disse, “mas o senhor sabe que até um instrumento mortal nas mãos dos espíritos precisa ganhar a vida”.
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Acima de tudo, os espíritos continuavam sendo forças poderosas em sua vida, afirmou ela aos ouvintes. Longe de a terem abandonado por sua traição, eles às vezes batiam tão alto que chegavam a acordar os vizinhos.
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A notícia da retratação de Maggie se espalhou, e, como ela previra, sua mudança de posição não a protegeu contra as agressões vindas de todos os lados. Um mágico muito conhecido, Joseph Rinn, afirmou que certa noite ele a fez entrar disfarçada, sob o nome falso de sra. Spencer, em um debate sobre o espiritualismo, evento bem-frequentado no Clube Liberal de Manhattan, um dos clubes políticos e sociais para cavalheiros nova-iorquinos. Rinn disse que ela estava tão cansada e acabada que nem seus amigos mais antigos a reconheceram. “A sra. Spencer”, quem quer que ela fosse, revelou muitos truques de seu ofício e explicou como os médiuns escreviam mensagens em lousas com os dentes ou os pés.
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Aí está, pois, caro Jung, informação de qualidade a respeito da saga das Fox. Veja a diferença entre estas e as medíocres pesquisas do Rizzini...