Putz, eu havia esquecido deste tópico. Aqui vai um esboço de resposta:
Sim. E de fato isso não é pan psiquismo. Na verdade, nem mesmo chega a ser um grande salto conceitual. Basta seguirmos a linha de raciocínio: (i) a atividade mental é um processo físico que ocorre no cérebro; (ii) a atividade cerebral pode, em princípio ser simulada em um computador; (iii)
Magnetismo pode ser também "simulado em computador", não? Mas é a simulação em si, "magnética"? Ou apenas nos dá descrições/previsões do que acontece no mundo real, sem no entanto ter realmente as mesmas propriedades?
A simulação é em si "magnética", no sentido de que numa simulação um magneto pode atrair ou repelir outro magneto simulado e, de uma forma geral, apresentar as mesmas propriedades de um magneto real. O seu erro aqui está em querer interpolar o "universo" da simulação com o "universo" real. Aí está a questão central: uma simulação só pode ser avaliada através de suas respostas dentro do contexto da simulação.
O problema que vejo na sua linha de argumentação/refutação do problema apontado por Searle é que... bem... talvez me repetindo. Se eu "simulo" magnetismo aproximando com as mãos dois tocos de madeira e pressionando um contra o outro enquanto uma criança tenta separá-los, para muitos efeitos práticos isso é bem parecido com "magnetismo". Então o "apresentar a consciência" em outras condições muito distantes de "cérebros" e da "física"
associada não é muito diferente dessa "apresentação de magnetismo" -- bem distante de ser relevante para um entendimento completo dos mecanismos por trás. "Apresentação" vem bem a calhar, já que pode ser entendido até como "encenação".
A diferença mais significativa seria em uma analogia de "consciência" com algo como "locomoção". Assim como "locomoção" pode se dar por meios tremendamente distintos, seria argumentável que poderia se chamar de "consciente" qualquer mecanismo que apresentasse um comportamento suficientemente similar. MAS isso não pode obscurecer o fato de que são mecanismos diferentes, como um bote ou um dirigível são meios diferentes de locomção.
De modo geral, as questões científicas ou filosóficas são sobre especificamente a consciência humana ou em animais próximos/em que ocorra, seja lá como se possa saber (dependerá de como se definir, também). Em particular, essa questão toda de "qualia", parece bastante específica para isso, ainda que, realmente, por tudo que se sabe (ou tudo que se ignora), bem poderia ser que qualquer sistema que "se comportasse" significativamente (seja lá o que for significativo -- será que não pode mesmo haver um análogo ao "clever Hans"?) como uma consciência "qualia", como uma espécie de "emergência fantasmagórica panpsiquista". Não sei se é realmente justificável, não imagino bem como justificar, mas eu acho mais parcimonioso supor que seja algo restrito a cérebros. No mínimo talvez seja mais seguro, por não generalizar precipitadamente.
Isso parece uma confusão comparável a confundir uma fotografia ou pintura com a realidade, só que sob um encanto com o verniz intelectual das descrições serem matemáticas, em vez de pigmentos dispostos de forma a retratar uma imagem real.
Será? Veja um filme que mostra o diálogo entre duas pessoas. Você acredita que as pessoas retratadas no filme estão conscientes? Claro que, num certo nível elas são apenas pixels ou grãos em um filme. Mas no contexto do filme, isto é, na realidade retratada no filme naquele momento, elas estão sim conscientes. Uma diferença entre esse caso e o da simulação é que não é possível para alguém "de fora" do filme interagir com os personagens. No caso de uma simulação (no caso, uma simulação hipotética, que forneça uma excelente aproximação da atividade cerebral dos personagens) tal interação é possível, mas mesmo assim, as perguntas que alguém "de fora" vá fazer devem ser traduzidas para o ambiente da simulação (digamos, criando-se uma interface para os personagens, ou até um personagem interlocutor). O resumo da ópera é que, da mesma forma que no caso dos magnetos simulados, a existência ou não da consciência dos personagens deve ser avaliado no contexto da simulação. Daí que perguntar se um personagem de um livro, ou se a listagem do código fonte de uma simulação é consciente é uma pergunta sem sentido, como perguntar qual é o cheiro de um dó sustenido.
Não sei. Acho que não é "sem sentido", talvez nem comparável a essa outra pergunta, mas apenas algo que a resposta é "obviamente* não, é apenas uma simulação/encenação/representação."
* "obviamente" significando algo como "dentro de assunções padrão fisicalistas sobre a realidade".
Quanto a pan-psiquismo em si, como você traça a linha? Onde a consciência "acaba" e por que? Como seria um "fluxograma" de "consciência mínima"?
Acho que perguntar isso é meio que perguntar onde começa e onde acaba uma nuvem. Pessoalmente, não acredito ser possível delimitar precisamente a consciência. Aliás, nem mesmo acredito que estamos conscientes 100% do tempo em que estamos acordados, mas não tenho como provar isso. O Denett mesmo discute essa questão, refutando a ideia de que haja uma "linha de chegada" na mente, onde a consciência de um fenômeno "chega". Creio que no final das contas a melhor resposta foi dada mesmo pelo Turing: se vários indivíduos conscientes acreditam que um dado interlocutor é consciente, então este deve ser mesmo!
Acho que a idéia de Dennett não é 100% de acordo com a neurologia, mas também não 100% contra. É provavelmente quanto a não haver algo como um centro "homúnculo" no cérebro, mas parece que sim, tem "caminhos" necessários para haver consciência e etc.
[...] Damage to V1 is thus associated with a lack of awareness for stimuli presented at corresponding points in the visual field, consistent with a role for V1 in visual awareness (Rees, 2007). However, during visual field testing, few if any clinicians would routinely press their patients to try and guess properties of stimuli that they resolutely deny being able to see when they are presented in a scotoma. But, when such a systematic investigation is performed using forced-choice procedures, remarkably, some patients show residual visual capacity in their blind field. These patients are able to perform certain discriminations and localizations better than chance in the acknowledged absence of awareness. This ability has become known as ‘blindsight’. [...]
http://brain.oxfordjournals.org/content/131/6/1414.full