O trecho que grifei é esclarecedor: você está simplesmente usando um argumento falacioso. No caso, uma petição de princípio. O que eu e outros aqui temos repetido é que não existe necessidade de se postular uma entidade fundamental como a que você sugere.
É bom lembrar também que várias das chamadas entidades fundamentais com as quais estamos familiarizados foram primeiro introduzidas como conceitos teóricos, princípios auxiliares, sem nenhuma pretensão ontológica. Foi o caso dos próprios átomos (Mach era um dos que se recusavam a admitir a realidade dos átomos). Sua existência foi postulada, mesmo que não fossem tratados como objetos físicos reais, porque ajudavam a explicar certos resultados experimentais. Só depois surgiu um consenso acerca da seu status ontológico. O fato é que também existem outras desses objetos teóricos auxiliares que nunca ganharam o status de objetos físicos reais. É o caso das linhas de força do campo elétrico e das linhas de indução magnética (nesse caso, Faraday acreditava que fossem objetos físicos). A propósito, entidades desse tipo são muito comuns em física da matéria condensada: falamos de objetos como polarons ou magnons como se fossem partículas se propagando em materiais, estudamos sua dinâmica e suas interações uns com os outros, mas na prática o que existem são elétrons interagindo com uma nuvem de vibrações mecânicas de um cristal (polarons) ou perturbações do alinhamento magnético em um cristal magnético (magnons).
Ola Dr. Manhattan,
Primeiramente, volto a reforçar alguns pontos nessa discussão, com relação a minha posição:
1 – Por tudo o que já coloquei aqui, e em outros posts específicos, e pelo que o Buck também colocou, defendo que um programa de pesquisa, onde qualia apareça como propriedade fundamental, deva ser desenvolvido (como Tononi, por exemplo), para que também, o próprio conceito tenha uma definição mais acurada (parte em vermelho do trecho do livro “O que é Ciência Afinal”).
2 – Defendo que outros programas também continuem sendo desenvolvidos (outras tentativas de explicação onde qualia não seja propriedade fundamental)
3 – Aposto que a opção 2 irá se tornar programas degenerescentes, que dará espaço a opção 1.
Quanto ao que você postou : o trecho não é esclarecedor e não tem nada de falacioso, pois não é um argumento; é uma observação acerca de uma corrente filosófica. O que relatei sobre a consciência ser considerado o único exemplo “consensual” (entre os emergencistas) do que seria uma propriedade emergente forte pode ser encontrado em diferentes artigos sobre emergencismo de diferentes autores.
E a necessidade de se postular ou não alguma nova propriedade é extremamente difícil de se julgar. Será que outras entidades/propriedades não foram consideradas precipitadas também? Quase certo que sim, mas foi o sucesso do programa de pesquisa determinado por esta nova linha, que garantiu sua permanência e aceitação. E pelos argumentos que foram apresentados nesta e em outras discussções, acho muito justificável a adição de uma nova propriedade, que crie um novo programa de pesquisa.
Obs : se não me engano não foi o David Chalmers que criou esta taxionomia (forte e fraca) sobre emergência. Aliás, estou enviando um artigo que se propõe a organizar a taxonomia das diferentes teorias emergencistas só para vocês terem uma idéia de como a coisa é “obscura”. E, claro, se procurarem outros autores, encontraram diferentes taxonomias.
http://arxiv.org/ftp/nlin/papers/0506/0506028.pdfCom relação às entidades fundamentais, o que você colocou só reforça a linha argumentativa que eu estou seguindo. Não importa a trajetória que algum conceito* seguiu até adquirir status ontológico. O ponto é que a ciência evoluiu dessa forma.
E é muito estranho, para mim, se aceitar, sem nenhum questionamento, uma teoria que explica coisas reais em cima de coisas “fantasmas”, e rotular e rechaçar uma teoria que propõe os qualia como propriedade fundamental, por ser dualista, por colocar um “fantasma na máquina”; a física já está cheio de entidades fantasmas!!!!
Um outro exemplo destes “fantasmas” na física são os campos quânticos, que são consideradas as entidades mais fundamentais na TQC, para a explicação dos fenômenos observados (partículas), e que não são considerados reais por parte da comunidade física.
Obs : acho que, primeiramente, os átomos surgiram como entidades reais, que foram desacreditadas e depois voltaram para ficar.
*como informação adicional, segue um trecho do livro “O que é Ciência Afinal”, onde ressalto o trecho em itálico-vermelho (edit), que tem muito a ver com as críticas feitas aos qualia.
“A dependência dos sentidos dos conceitos da estrutura da teoria em que ocorrem e a dependência da precisão dos primeiros da precisão e do grau de coerência desses últimos podem tornar-se mais plausíveis notando-se as limitações dos modos alternativos em que se pode pensar que um conceito adquira sentido. Uma tal alternativa é o ponto de vista de que os conceitos adquirem seu sentido por meio de uma definição.
As definições devem ser rejeitadas como procedimento fundamental para o estabelecimento de sentidos. Os conceitos somente podem ser definidos em termos de outros conceitos, os sentidos dos quais são dados. Se os sentidos desses últimos conceitos forem eles mesmos estabelecidos por definições, fica claro que o resultado é um regresso infinito, a menos que os sentidos de alguns termos sejam conhecidos por algum outro meio. Um dicionário é inútil a menos que já se conheça o sentido de muitas palavras. Não era possível para Newton definir massa ou força em termos de conceitos pré-newtonianos.
Foi necessário que ele transcendesse os termos do velho sistema conceitua) e desenvolvesse um novo. Uma segunda alternativa é a sugestão de que o sentido do conceito é estabelecido através da observação, por meio de uma definição ostensiva. Uma dificuldade central dessa sugestão foi já discutida a respeito do conceito de “vermelho” nas páginas. Não se chega ao conceito de “massa” somente através da observação, por mais atentamente que se observem bolas de bilhar colidindo, pesos pendurados de molas, planetas em órbita etc., nem é possível ensinar a terceiros o sentido de massa simplesmente indicando tais eventos. Não é irrelevante lembrar nesse ponto que, se tentarmos ensinar um cão por meio da definição ostensiva, ele reagirá invariavelmente cheirando o dedo que aponta. A afirmação de que os conceitos obtêm seus sentidos ao menos em parte do papel que desempenham numa teoria é sustentada pelas seguintes reflexões históricas.
Contrariamente ao mito popular, Galileu parece ter realizado poucas experiências em mecânica. Muitas das “experiências” a que ele se refere ao articular sua teoria são experiências de pensamento. Isto constitui um fato paradoxal para aqueles empiristas que pensam que as novas teorias derivam de alguma forma dos fatos, mas é bastante compreensível quando se percebe que a experimentação precisa somente poderá ser levada a cabo se tivermos uma teoria precisa capaz de produzir previsões sob a forma de afirmações precisas.
Galileu se encontrava no processo de fazer uma importante contribuição para a construção de uma nova mecânica, que provaria ser capaz de suportar uma experimentação detalhada num estágio posterior. Não é necessariamente surpreendente que seus esforços envolvessem experiências de pensamento, analogias e metáforas ilustrativas em vez de experimentação detalhada. Sugiro que a história típica de um conceito, seja ele “elemento químico”, “átomo”, “o inconsciente” ou qualquer outro, envolve uma aparição inicial do conceito como uma idéia vaga, seguido por seu esclarecimento gradual quando a teoria na qual ele desempenha um papel assume uma forma mais precisa e coerente.
A emergência do conceito de campo elétrico nos dá um exemplo especialmente notável, embora um tanto técnico. Quando primeiro o conceito foi introduzido, por Faraday, na quarta década do século XIX, ele era muito vago, e era articulado com a ajuda de analogias mecânicas e um uso metafórico de termos como “tensão”, “poder” e “força”.
O conceito de campo tornou-se cada vez mais bem definido quando foram ficando melhor especificadas as relações entre o campo elétrico e as outras quantidades
eletromagnéticas. Quando Maxwell introduziu sua corrente de deslocamento, foi possível dar uma grande coerência à teoria sob a forma das equações de Maxwell, que estabeleceram claramente o inter-relacionamento entre todas as quantidades do campo eletromagnético.
Foi a essa altura que o sentido de “campo elétrico” na teoria eletromagnética clássica alcançou alto grau de clareza e precisão. Foi também nesse ponto que se concedeu aos campos uma independência própria e dispensou-se o éter, que havia sido considerado necessário para dar aos campos uma base mecânica. \
Mencionamos até agora dois motivos para que as teorias devam ser vistas como estruturas organizadas de alguma espécie: o fato do estudo histórico demonstrar que as teorias possuem essa característica e o fato de que é somente por meio de uma teoria coerentemente estruturada que os conceitos adquirem um sentido preciso. Um terceiro motivo tem origem na necessidade da ciência de crescer. Está claro que a ciência avançará mais eficientemente se as teorias forem estruturadas de maneira a conter em seu interior indícios e receitas bastante claros quanto a como elas devem ser desenvolvidas e estendidas. Elas devem ser estruturas abertas para que ofereçam um programa de pesquisa. A mecânica de Newton forneceu um programa para os físicos dos séculos XVIII e XIX, o programa para explicar todo o mundo físico em termos de sistemas mecânicos que envolvem várias forças e são governados pelas leis do movimento de Newton. Este programa coerente pode ser comparado à moderna sociologia, grande parte da qual está suficientemente preocupada com dados empíricos para satisfazer os critérios falsificacionistas da boa ciência, o que não ocorre com os indutivistas, e que, entretanto, fracassa miseravelmente ao emular o sucesso da física. “Abs
Felipe