Criacionistas, demonstrando grande ignorância sobre o que seja ciência e teoria científica, costumam indicar a escassez de fósseis transicionais ( na verdade não são tão escassos, mas eles exageram em favor do argumento ) como uma refutação da Teoria da Evolução. O interessante é que embora usem e abusem desse estratagema para atacar o darwinismo, quase sempre a partir de dados incorretos,
usando citações fora de contexto, ou, não raro, simplesmente mentindo, eles parecem assimilar muito bem fatos que contradizem irreconciliavelmente a conjectura do DI.
O texto a seguir é de Gustaf Dantas e aborda essa questão de maneira muito clara.
O que é mais comum ver em sites e blogs criacionistas são os comentários sobre descobertas da genética molecular que evidenciam a existência de funções no "DNA-lixo".Pior, fazem isso afirmando que isso corrobora a "predição" que diz que se tudo foi projetado cuidadosamente por um criador inteligente, então tudo (ou quase) há de ter função.
Dizer que os cientistas acreditam em "DNA-lixo" é um mito e vou explicar o porquê.Há muito tempo se sabe que muitas sequências não-codificadoras tem funções importantes.Por exemplo, alguns íntrons tem papel na regulação de genes.Desde que essa descoberta foi feita a expressão perde o sentido.
É por isso que nenhum cientista poderia apontar para um trecho de DNA e dizer:"Olha, esse DNA não tem função alguma, é puro lixo".Obviamente, chegamos aí ao mesmo pensamento ingênuo que faz os criacionistas acreditarem que a descoberta de funções em órgãos vestigiais contradiz a teoria da evolução.Não é possível obter uma evidência positiva precisa de ausência de função.O que se pode mostrar é que a existência de uma estrutura que tem efeito insignificante para a sobrevivência e reprodução do organismo.Dado que tanto sucesso reprodutivo quanto viabilidade podem ser observados e medidos quantitativamente, então a evolução pode explicar que existe e porque existe uma redundância desnecessária de DNA no genoma.
Algumas evidências que mostram que existe sim DNA sem qualquer função relevante no genoma :
*Algumas sequências do DNA podem ser cortadas ou substituído por seqüências randômicas, tudo isso sem nenhum efeito aparente no organismo (Nóbrega et al,2004).
*O peixe fugu tem um genoma de um tamanho igual a um 1/3 de seus parentes próximos (o criacionismo diz apenas que isso significa que "nosso conhecimento de bioquímica ainda está na infância":
http://creationwiki.org/(Talk.Origins)_ )
*Mutações em regiões funcionais no DNA mostram evidências de seleção -- as mudanças não-silenciosas ocorrem menos frequentemente que se esperaria por acaso.Se houvessem funções em todas as partes do DNA, então não se esperaria coisas como essa:
"Li e Graur, no seu texto de evolução molecular, deram as taxas de evolução para taxas silenciosas vs. substitutivas. As taxas foram estimadas a partir de comparações de seqüências de 30 genes de humanos e roedores, que divergiram há cerca de 80 milhões de anos. Sítios silenciosos evoluíram a uma taxa de aproximadamente 4.61 substituições de nucleotídeos por 109 anos. Sítios substitutivos evoluíram muito mais vagarosamente à uma taxa de cerca de 0.85 substituições de nucleotídeos por 109 anos." (Colby, 2005)
Ou seja, criacionistas geralmente se dizem céticos sobre o fato que as mutações possam servir de matérias-prima para a evolução, porque a maioria das que tem efeito fenotípico relevante são deletérias.Ora, se é assim, então porque não explicam o fato que regiões do genoma com taxas de evolução bem elevadas podem sofrer mutações constantemente sem comprometer o funcionamento de "DNAs funcionais"?
No post anterior a este ("Mais uma bobagem do Criacionismo Ufológico"), eu expliquei de forma muito resumida porque a existência de "matéria escura" no genoma não é uma surpresa para a teoria da evolução.
Embora o acaso possa fixar esses DNAs não-codificadores sem grande prejuízo imediato para o organismo (se fosse um prejuízo total, mecanismos evoluriam para removê-lo), fiquem sabendo que ele não é um almoço grátis, pelo menos no que se referem aos íntrons (uma classe peculiar de sequência não-codificadora).Vejam o que diz o que diz este professor de Genética Humana:
"Manter íntrons é um hábito caro.Uma grande proporção da energia que gastamos todo dia é dedicada a manutenção e ao reparo dos íntrons na forma de DNA, a transcrição do pré-RNA e a remoção dos íntrons, e até sua ruptura final da reação de splicing.Além disso, o sistema pode causar equívocos com consequências graves.Cada erro no corte e ligação do pré-RNA leva a uma alteração na sequência de proteína da transcrição do gene, e possivelmente a síntese de uma proteína defeituosa." (Ast,2005)
Para entender os termos que Ast escreveu, é preciso contar uma longa história.Fazendo a analogia do DNA como sendo um livro, os capítulos sem significado , inseridos em intervalos dos textos (chamados íntrons) não são trancritos para o RNA mensageiro maduro, porque sofrem um processo de edição através do Splicing (processo de corte-e-ligação), sendo preservados os éxons, (capítulos com sentido) na transcrição inicial.Mas depois de estudos do Projeto Genoma, está claro que que essas regras nem sempre se aplicam.Em organismos complexos, a transcrição inicial pode sofrer splicing alternativo-os éxons podem ser descartados e os íntrons removidos-para produzir inúmeros RNAs mensageiros, e portanto proteínas diferentes. O ser humano produz 90 mil tipos diferentes de proteínas com uma variabilidade genética menor que a do milho!!! São míseros 25 mil genes ( contra 40 mil do milho). Ou seja, o splicing alternativo era mais comum do que se imaginava, e com isso se esteleceu um novo conceito genético : "um gene, muitas proteínas".Agora, poderia-se perguntar.Porque a evolução preservou um sistema tão complicado e que pode causar doenças?Simples.Porque o benefício de codificar mais de uma proteína com um único gene supera o prejuízo da exclusão de um éxon e o gasto de energia para manter os íntrons.Em alguns casos, o splicing alternativo tem o potencial de criar proteínas especiais para determinadas espécies, que podem ser responsáveis pela diferenciação entre elas.A versatilidade no genoma não é evidência de projeto inteligente e sim de oportunismo molecular evolutivo.Planejamento inteligente seria se as proteínas especiais já estivessem lá sem necessitar de splicing alternativo (que segundo Ast é mecanismo perigoso e que pode ser responsável por doenças).
Claro, o DNA não-codificante é muito maior que qualquer pessoa pode imaginar (representa mais de 95% do genoma).Isso implica que mesmo se considerarmos a utilização íntrons para a posibilidade do funcionamento do splicing alternativo, ainda assim a grande quantidade de DNA não-codificante ainda parece desnecessária.Além da grande quatidade de íntrons, em alguns casos em se tratando de genes repetitivos há também espaçadores não transcritos ou ainda espaçadores intergênicos.
Outra coisa, uma pergunta interessante foi abordada por Ronaldo Cordeiro, da Comissão de Biologia - FCB, em um debate com ocriacionista Alexandre Gonçalves:
"Por exemplo, sabia que os mamíferos sintetizam sua própria vitamina C, e portanto não precisam dela na alimentação, porque possuem um gene para a produção da enzima que a sintetiza? Descobriram que o homem também possui esse gene, só que ele não funciona porque alguma mutação deletou dele um único par de bases. Um criacionista talvez pudesse sugerir que Deus teria criado o homem com esse gene perfeito, mas que o pecado teria causado esse dano, não é mesmo? Então como explicar que o chimpanzé tenha essa mesma mutação nesse mesmo gene nessa mesma posição?"
Link:
http://www.str.com.br/Debate/debate0102e.htmReferências:
Ast,G.(2005).Genoma Alternativo.Scientific American Brasil.Ano 3, Nº 36,maio de 2005.
Colby, C. (2005) Introdução à Biologia Evolutiva. Projeto Evoluindo - Biociência.org. Trad.: Danniel Soares Costa. [http://www.evoluindo.biociencia.org/evidenciamacro.htm]
Nóbrega, Marcelo A., Yiwen Zhu, Ingrid Plajzer-Frick, Veena Afzal and Edward M. Rubin (2004). Megabase deletions of gene deserts result in viable mice. Nature 431: 988-993.