Muito pelo contrário, quanto mais simples e objetivo um argumento melhor, menos cansativo e mais eficaz.
Parcus, se entendi bem o que você quis dizer, alerto que não se deve tomar a navalha de Ockham a um extremo de dogmatismo que ultrapasse a realidade. Não pode ser usada como panacéia para todas a dificuldades científicas. Um argumento mais simples pode ser demonstrado como tendente a mais eficaz e, melhor ainda, mais correspondente à realidade, mas, ainda assim, tem que atender às exigências mínimas do que está posto em questão (quanto ao "menos cansativo", com franqueza, uma boa 'navalhada' jamais deve ser proposta com este fim em vista). Não consigo me lembrar de nada "menos cansativo" do que alegar que algum deus fez tudo e pronto (lembrando que, para quem alega isso, o problema TERMINA AÍ e não vai nada além, porque desconsidera todas as implicações e carências argumentativas que advêm deste "argumento").
Tenho a impressão de que ainda não me fiz entender corretamente. Não é uma questão de simplicidade o que eu trouxe à pauta, mas de modos fundamentais de estruturação. Acho bem provável que se possa até confirmar que não haja estrutura viva mais simples que qualquer máquina construída por humanos, até o momento. A questão que introduzi não é originariamente minha (me foi apresentada, por primeira vez, há muitos anos, por uma estudante de biologia -- espero reencontrá-la para interpelá-la... brincadeira, não foi só ela quem me apresentou a questão) mas, talvez até por eu não ser um profundo estudioso da biologia, a acatei e concluí desdobramentos a partir dela porque eu jamais havia constatado a existência de qualquer estrutura viva que violasse a "regra". Eu "conhecia" os seres unicelulares flagelados mas, sem aprofundamento, achava que os movimentos realizados pelo flagelo eram vibratórios/ondulantes.
Como eu já disse, não é uma questão de simplicidade. Os outros exemplos, absolutamente, não servem de argumento pois não mudam a estrutura topológica do ser vivo, independentemente do grau de complexidade relativa. Como a coisa enveredou-se por este caminho, vou dar a resposta que eu esperava, de uma maneira bastante simplificada e, até um tanto incompleta: estruturas vivas são estruturas que crescem, diferenciando-se, assim, de um relógio, por exemplo, por ser uma estrutura que é montada. Numa estrutura como a de um relógio, cada parte apresenta uma certa independência absoluta em relação às outras, desde a origem, que pode ser interpretada como uma independência topológica. O mesmo "não ocorre" (era o que eu pensava) com estruturas vivas (exceto, numa interpretação, ao menos, primariamente objetiva, num caso como essa estrutura flagelar -- o flagelo, certamente, cresce, mas desconecta-se do corpo principal da célula e, ainda assim, continua a fazer parte operacional da mesma; simplesmente fantástico fenômeno evolutivo ao meu ver!). Um ser unicelular com um eixo girando num mancal! Sem dúvida, é, no mínimo, uma complicação. Havia um flagelo no meio do caminho; no meio do caminho, havia um flagelo (e um lusitano... rsrsrsrs). Surgem, agora, outras perguntas em minha mente. A principal: a existência desse tipo de estrutura, num ser vivo, muda sua característica de 'crescente' para 'montado'? Como o flagelo e o corpo celular principal não são fabricados em diferentes instalações fabris, pode-se concluir que não. E, de fato, o flagelo é uma estrutura protéica que cresce na célula, como observado. Quando eventualmente perdido, cresce novamente num processo de reposição. O fenômeno físico que o faz girar, não tive tempo de analisar ao ponto de compreendê-lo mas a estrutura descrita é estupefaciente. Muito melhor que a velha e tola "controvérsia" da "complexa estrutura do olho". Será que há outras estruturas vivas assim, especialmente, seres vivos mais complexos? Me parece cada vez mais difícil avaliar o que o processo evolutivo é capaz de fazer. Pensando bem e amplamente, os relógios e todas as demais máquinas feitas pelo homem são produtos evolutivos porque, sim, a evolução pode produzir relógios mecânicos complexos a partir destas coisas indefinidas, vagas e arbitrárias que os divagadores chamam de nada inicial e acaso. Apenas, primeiro, precisa fazer uma 'máquina-ferramenta' (algo assim, parecido com o homem).
Aonde eu pretendia chegar com a questão que propus? Eu pretendia alegar que não só as morfologias "finais", os aspectos fisiológicos e anatômicos "finais" de cada ser vivo mudam por evolução, mas também os próprios processos de crescimento (embora possa parecer óbvio que as mudanças morfológicas assentem-se sobre esses "processos de crescimento" estou indo, aqui, mais além do que se pode apreender pelos simples conceitos de genótipo e fenótipo). E qual seria a importância/utilidade disso? Demonstrar que, ao contrario do que é correntemente alegado, a TE pode sim ser estendida até o limite da biogênese*, ou seja, até à própria biogênese*, no que poderíamos chamar de 'Evolução Molecular', sem solução de continuidade. Na verdade, não vejo nada nessa estrutura flagelar que mude isso, numa direção, mas no caminho inverso, poderiam-se opor contra-argumentações. De qualquer forma, minha linha de raciocínio foi desviada.
*Quero esclarecer que recuso-me a utilizar o termo abiogênese por minha iniciativa argumentativa. Não consigo enxergar motivo (a não ser a manutençao insidiosa da idéia de algo como o sopro de javé) para que não se use, simplesmente, biogênese, porque a matéria que compõe as estruturas vivas não muda sua natureza ao compô-las. Continua tão "inanimada", abiológica, abiótica quanto antes de entrar na composição das máquinas biológicas.