Buckaroo, as vezes leio seus posts e tenho a impressão de ter entendido o que seria o tal "qualia". mas depois vejo que ainda não entendi bulhufas. Seria possível uma definição do que é qualia sem bullshits semânticos?
Pelo que li na página anterior, o qualia seria essa sensação de unidade que possuímos, a sensação do eu formada pela interação de nossas células. O que gera esses casos da vermelhidão do vermelho, por ser essa interação diferente em cada pessoa. O que se discute é como o cérebro cria essa ilusão do ser, é isso?
Caramba, eu li esse tópico inteiro e contínuo sem entender nada, até com medo de ao postar essa pergunta ter dito alguma bobagem homérica nada a ver com o assunto heehhe...
Quem trouxe a sensação de "eu" foi o Cientista, eu acho que isso só complica as coisas. O "eu" também teria a ver, mas não é o melhor exemplo para entender nem o que é qualia e qual é o problema.
Acredito que o melhor "caso" para entendermos o problema é com a visão, especialmente com as cores.
O Agnósitico disse em um dos posts:
O vermelho é apenas um comprimento de onda e você é ensinado a dizer vermelho quando você o vê. Nao sei porque o termo ilusão deve ser usado, como se aprender o que é o vermelho fosse algo que o cerebro nao esta preparado para lidar.
O problema é que ele simplesmente passa por cima do problema meio que adotando o que parece ser um "realismo ingênuo", a noção de que a "vermelhidão" dessa faixa de freqüência de onda é algo "real", inerente a essa faixa, e de fato a vemos. Quando não é, ou ao menos não se tem a menor idéia de como poderia ser esse o caso, sendo essa uma interpretação muito pouco parcimoniosa sobre qualia, e nem é realmente negado/inexistente como ele supõe, apenas tido como "equivalente" à freqüência de onda.
Uma interpretação algo mais parcimoniosa pelo ponto de vista neurológico é de que a "vermelhidão" que vemos é algo criado e atribuído pelo nosso cérebro a essa faixa de onda, de forma a criar uma "interface gráfica" com o mundo, a partir desses dados óticos que recebemos. Sob essa linha de pensamento (que é a mais largamente aceita, tanto quanto sei), a vermelhidão é de certa forma uma "ilusão" criada pelo nosso cérebro, não algo que enxergamos de maneira literal.
Uma analogia para algo "ainda menos" literal é se criar uma imagem/"foto" a partir de ultrassom; ela não é uma imagem que realmente "existe", são apenas dados sensoriais convertidos numa imagem. E esse é na verdade o caso com qualquer imagem, até mesmo as feitas a partir de luz. O mundo "lá fora", não tem realmente "cores", "sons", "sabores", e "temperaturas sentidas". Tem partículas, topografias, ondas, todas "incolores", "insípidas", etc. Nossos órgãos sensoriais e o sistema nervoso detectam alguns padrões e a partir deles
criam aquilo que realmente [/i]percebemos[/i], as sensações que temos do mundo.
Tudo isso é perfeitamente coerente e longe de ser questionável, mas daí surge o problema da disparidade que existe entre as coisas tal como são fisicamente e o fenômeno da percepção. É a chamada "lacuna explicativa"/"explanatory gap".
Enquanto que uma câmera faz algo análogo ao que faz nossa visão em captar luz, transformar em imagens, e reproduzir numa tela, e isso não é em nada problemático, nós não fazemos idéia de "onde" ou "o que" é a nossa "tela interior". Não há nada que, ao estudar nosso cérebro, nos dissesse, "ah, está vendo essa ligação de neurônios aqui? É isso que faz com que o indivíduo experiencie essa visão interior que tem a partir do que recebe do nervo ótico, porque está organizado assim e assado". Não, só são proteínas e elétrons para lá e para cá, sem nenhuma "telinha" (que não é algo que deveria de qualquer forma ser uma expectativa literal, é bom deixar claro).
E ninguém está nem perto de conseguir responder essa questão de forma que possa ser empiricamente testada.
A melhor abordagem que já li a respeito, é a de que essa estranheza se deve a nossa cosnciência fenomenológica ser justamente a única coisa que podemos observar por uma perspectiva subjetiva. Todo outro sistema físico é observado externamente, de onde não se poderia observar a totalidade do fenômeno. Uma analogia aqui talvez fosse a forma como podemos ter mais e mais dados sobre uma dada observação de uma reação qualquer, dependendo do nível de "zoom" que usamos para observar. De uma dada distância uma reação química faz uma mistura ter uma outra cor, e dando um "zoom" suficiente veríamos o que aconteceu aos átomos e moléculas, como se agruparam numa outra forma, e ampliando mais ainda veríamos que ela reflete os fótons de outra forma.
"Qualia" então seria "algo parecido", no sentido de ser algo que só vemos sob uma certa perspectiva/proximidade, mas o nível de "zoom" seria justamente
ser o organismo em questão, sendo absolutamente inacessível a outra perspectiva qualquer.
Aqui também há uma espécie de "equivalência" entre o que é percebido e um estado físico ordinário, porém não seria o estado físico daquilo que é observado, mas sim o estado físico do cérebro quando tem tal experiência.
Isso já é uma hipótese mais restritiva sobre o fenômeno "qualia" (estritamente materialista/fisicalista, e monista, e é rotulada de "reducionismo não-eliminacionista"). Outras abordagens/indagações tem como assunção que não haveria tal equivalência, isso é, você poderia ter estados físicos cerebrais idênticos, e ainda assim o cérebro ter experiências distintas. E aí a coisa se complica muito mais, abrindo espaço para "embasar" o dualismo. Mas essas assunções se devem ao fenômeno ser algo tão desconhecido e difícil de ser tratado ou estudado, então algumas vezes fazem suposições baseadas apenas em "possibilidades ontológicas", que são praticamente irrestritas, e vastamente maiores do que seriam as efetivas possibilidades, aquelas físicas/reais.
Embora eu particularmente eu ache que as outras abordagens são ou correm o risco de ser uma tremenda perda de tempo, viajar em fantasias, tenho que admitir que mesmo essa abordagem reducionista não-eliminacionista está longe de ser efetivamente provada, apenas é uma idéia que faz com que fenômeno não pareça algo tão estranho, tão absurdo, sem no entanto cair no absurdo de "negar" a própria experiência subjetiva.