Em resumo, como não existe livre arbítrio mas temos a sensação de que existe, o que temos é uma ilusão de livre arbítrio. Você tanto contrariou o Agnóstico e agora diz exatamente o mesmo que ele.
Putz, você deve estar tirando isso de uma realidade paralela.
No outro tópico eu fiquei umas trinta páginas tentando explicar para o Agnóstico por que livre-arbítrio não existiria, só para no fim semi-desistir e conceder um livre-arbítrio "fraco", algo ilusório, que "existe na prática cotidiana".
Ok, foi provocativo mesmo (intencionalmente). Digamos que não exatamente o mesmo que o Agnóstico, mas quase (ou talvez até o mesmo mesmo, já nem sei mais). É que o "para fins práticos" que você disse, no contexto, pareceram palavras do próprio Agnóstico.
No que isso for apenas em analogia para o problema de qualia, do meu ponto de vista ele não se trata em afirmar que existiria uma "vermelhidão de verdade", mas sim em como "temos a sensação" disso.
O "temos a sensação" é o cerne do "problema" que você (acha que) vê. *Como ocorre o processo* é que seria a questão (não há nada para *ter* *sensação* nenhuma). E, nesse sentido, já está esclarecido. Você próprio tenta dissociar qualia de consciência mas aqui mesmo se deixa flagrar em contradição só em escrever "temos a sensação", e mais ainda em outros posts em que fala da "captura de tela" como um suposto meio de confirmar se o quale do outro é o mesmo seu; "(do) outro", "seu". Entende?
Sabe que é uma e a mesma "coisa" (nada real, só ilusão sobre ilusão). É impressionante, eu sei. Também "tenho" a mesma "sensação". E já disse que sei que jamais poderei apontá-la diretamente para "mim mesmo" (a Medusa se olhando no espelho, lembra?). E essa é UMA das razões porque tenho que jogar fora a subjetividade -- porque não posso esperar toda a eternidade (que é só mais uma abstração subjetiva) para "confirmar" alguma coisa. Outras razões há, entre as quais, como VOCÊ bem sabe, que já descobrimos que não existimos sempre, então teríamos que apelar para uma emergência sinérgica mágica de sistemas complexos, o que não corrobora com fatos conhecidos da física e da análise de sistemas complexos.
Uma coisa que eu percebo agora é que, curiosamente, parece ser justamente por abordar a questão pelo viés dito 'fisicalista' que os propositores de uma "realidade subjetiva de qualia" parecem não apreender a (ir)realidade física da coisa. Quase um paradoxo. Na verdade, procuram de algum modo na física o que não é físico e talvez seja por isso, me parece agora, que conseguem mesmo acreditar que não haveria relação alguma entre fenômenos ilusórios conscientes como qualia e alguma fantasmagoria maquinal. Colocam tudo na conta do "algo que AINDA não sabemos (mas que deve ser físico de algum jeito porque sou cético e, por definição, não posso propor nada transcendente)". É a famosa "lacuna" mesmo, como você mesmo disse aqui.
Observemos que se o dispositivo converter até mesmo os sons ouvidos, quaisquer parâmetros sonoros, o indivíduo poderá ouvir um som "como se fosse outro" mas esse "outro" som é exatamente o mesmo que ele ouviria da forma como é se não tivesse a interface tradutória a mais que tem. Por isso, todo o fenômeno da consciência deve ser originário de interfaces tradutórias entre diversos processamentos linguísticos.
Acho que não entendi. Você sugere que colocando um aparelho que fizesse todos sons ficarem n% mais graves ou agudos, ou aplica qualquer outro "filtro", e o que a pessoa perceberá subjetivamente não será isso, porém o que qualquer outra pessoa sem esse aparelho ouviria, como se esse filtro não existisse?
Não. Simplifiquemos para uma situação bastante restrita. Se eu converto um som de 1Khz para 10Khz... Não, melhor que isso, invertamos toda a escala audível para uma pessoa nunca ouvir de outra forma. Ela apenas chamará um som de 100Hz de agudo e outro de 15Khz de grave. Mas as codificações internas sensoriadas a partir dos tímpanos serão as mesmas que as de outro ouvinte sem o conversor externo. Eu não quero chamar atenção aqui para o simples fato de que o ouvinte do conversor dá nomes diferentes/trocados para uma mesma captação sensorial. O que eu quero explicitar é o efeito das conversões e codificações para a percepção sensorial; como elas ao mesmo tempo "trocam" e não trocam nada na percepção. Talvez seja um pouco inusitado para você perceber de pronto. Mas se realimentarmos isto aqui (entre nós) o entendimento do processo pode ser efetivado.
[...]
O que quero tentar esclarecer definitivamente a respeito do significado de ilusão que uso para o "problema" dos qualia é que o "problema" jamais desaparecerá até mesmo quando não for mais um "problema". Não será "resolvido". Não há nada para se resolver nisso. É uma ilusão. Não desaparece quando explicada.
O que ninguém sugere que deveria ocorrer.
Não é o que me parece(u). Mas se assim é(fosse) nem vejo(ria) mais qualquer sentido em discutir isto.
O problema é justamente como explicar tal ilusão (a chamada "lacuna explicativa").
Ilusão *É* a explicação. Não é ilusionismo; não é miragem; nem mesmo alucinação, que eu já tentei usar como introdução conceitual para descer mais abaixo no nível ilusório da consciência. Não é ilusão *da* consciência; é ilusão *de* consciência. Não há mais nada para "explicar". Nem o "explicar" aqui existe. É só uma invenção filosofista para mais que combater o fisicalismo -- para fugir da realidade. É um novo culto e tem tooooodas as típicas características de dar dó de ver.
O que não existe não pode desaparecer. Não tem truque nenhum aí para ser desmascarado, nenhuma prestidigitação; não há comparabilidade com algo que o Mister M revele. As coisas que o Mister M revela estão mais para a sua definição de folk realism. Estão na realidade física observada. A ilusão dos qualia (e só de eu dizer isso já deixa claro que as duas palavras não podem ser entendidas como sinônimos) é uma ilusão interna de decodificação perceptiva. Eu já disse antes: a cor é um nome, uma informação, traduzível por um número (ou melhor, um número traduzível por um nome), numa língua diferente. A "vermelhidão" do vermelho só está dizendo vermelho numa outra codificação.
Exato, porém dizer que "é só uma outra codificação", é meio como dizer que "os genes são só o substrato da hereditariedade" antes de se conhecer a estrutura do DNA, mas achar que a o problema se encerra aí, e então fazer pouco caso de qualquer um que sugerisse haver mais a ser explicado do que simplesmente "leis da hereditariedade".
Acho que eu é que não entendi agora. Em que conhecer a estrutura do ADN mudaria o fato de que os genes são o "substrato da hereditariedade"? As leis intrínsecas da hereditariedade são substratadas nos genes mas nenhuma estrutura genética está isolada do resto do universo e não pode ter só suas próprias soberanas leis, o que não muda nada o fato. Se é "meio como isso" então obrigado por me apresentar um homólogo modelar a dar mais respaldo à minha descrição dos fenômenos conscientes 'quálicos' e outros quaisquer correlatos porque é "meio como isso" mesmo; assim como sua abordagem de qualia me parece (bem mais) "meio como isso" de alma fantasma na máquina.
Ou você está sugerindo que eu estou confiante demais em minha "aposta" e que eu deveria esperar para dar uma palavra peremptória? Esta é uma posição de precaução filosófica e talvez o porquê de se mostrar tão difícil me entenderem quando digo que um pensador científico só pode ter certeza ou não saber (não confundir com o "não saber agnóstico", que trata-se da mais cristalizada e arraigada manifestação de crença que conheço). Esclareçamos uma coisa importante. Existe um certo "problema" quando se planeja um empreendimento tecnológico que é muito diferente de filosofar. É *necessário* dar uma palavra final ou não se modela nem se projeta nada. Se eu considerasse o tal "imponderável ou seja lá o que seria for" que vocês vislumbram como possibilidade nos qualia ou na consciência, eu não teria nem como começar a pensar em fazer nada. Em ciência e tecnologia só há espaço para objetividade. Nada que aponte para qualquer outra direção mostrou qualquer valor até hoje. Não vou nessas direções. Eu não posso trocar alguma coisa por nada ou conjecturas devaneantes.
Repetindo, poderemos construir máquinas replicantes integrais da mente humana, termos nas mãos todo o projeto de construção, um diagrama circuital completo com toda a descrição funcional, as máquinas assim construídas falarão com você como eu ou qualquer outra pessoa fala, terão consciência de estarem vivas e de terem direitos gerais iguais aos seus, como tais, você poderá debater com elas esta mesma questão que debatemos aqui e muito provavelmente tentará alegar que elas seriam zumbis filosóficos
O que o leva a supor que eu "provavelmente tentaria alegar que elas seriam zumbis filosóficos"?
O tempo todo você parece partir da suposição de que eu tenho uma definição muito específica de "qualia". Simplesmente não temos como dizer se seria esse o caso ou não. O máximo que se tem em alguns casos hoje em dia é observação do fenômeno de "zumbi filosófico" de forma apenas parcial (visão cega, e talvez sonambulismo).
Você já fez isso. Aqui mesmo neste tópico. Lá pelo início. Eu teria que procurar, se você mesmo não lembrar, mas você pré-alegou isso na instância de existirem máquinas que se comportassem exatamente como humanos conscientes mas que não "experienciariam qualia de verdade" porque seriam só... zumbis filosóficos. Você pode ter/dizer ter considerado apenas como possibilidade, mas possibilidades aventadas são alegações. Se você estiver diante da situação que descrevi, posso muito bem supor que recorrerá ao ad hoc. De fato, eu vejo que você faz isso já agora, quando diz mais abaixo: "Vou apenas continuar sem saber. Tal como vamos todos ficar sem saber exatamente os porques/comos de interações aparentemente fundamentais da matéria."
Tais seres poderiam muito bem não ser; pode ser que zumbis filosóficos completos sejam coisas fisicamente impossíveis. No entanto admitir essa possibilidade não elimina o problema, de maneira alguma. Mais do que um argumento para eliminação, seria para emergência*.
Fisicamente impossíveis? E nós seríamos o que? Admitir essa possibilidade? Você não percebe mesmo o que significa admitir essa "possibilidade"?
"Zumbi filosófico completo" e o que somos seriam indistinguíveis um do outro por uma razão muito simples: são a mesma coisa. Assim como um universo com deuses ser indistinguível de outro sem deuses significar algo muito simples também: deuses não existem.
Você não reconhece, mas o que está defendendo É a existência da alma imaterial, metafísica, espiritual, religiosa, transcendente... ...mágica, como eu prefiro resumir. E pelo mesmo motivo fundamental que move todo crente em deuses: arrebatamento pelos profundos mistérios eternamente insondáveis da existência... Só está convencido de que não é isso porque crê que filosofar é algo muito realista e sóbrio, não religioso. Sinto muito, mas é assim que vejo.
mas não poderá demonstrar isso por meio algum e, com tudo isso, se tentar analisar todo o projeto da máquina, o que vai encontrar é apenas que muitos códigos se traduzem dentro dela e nada vai te dar a "resposta" que você busca simplesmente porque você não está fazendo pergunta alguma. Você não vai encontrar os qualia ou a explicação que procura para eles; a explicação já existe e não é a que você espera. Se não mudar suas perguntas continuará acreditando em "coisas", sempre fugindo da realidade. Eu prevejo tudo isto claramente e esta previsão é o resultado dedutivo de se entender qualia como ilusão. Se tudo isto que descrevi aqui ocorrer, como eu já disse, você, antecipadamente (até mesmo talvez por perceber que tudo isto pode e deve acontecer em algum momento do desenvolvimento tecnológico da neurociência e de sua reprodução), como eu já apontei, muito provavelmente lançará mão do recurso ad hoc do zumbi filosófico. Isto apenas significa que você se recusa a aceitar a explicação que é a única que se compatibiliza com todos os fatos contabilizados.
Bem, a meu ver não sou eu quem está "fugindo da realidade"; não sou eu que nego a ausência de explicação um fenômeno apenas por poder se categorizá-lo como uma ilusão ou por hipotetizar que esta ilusão exerce alguma função* ou apenas constatar que é paralela a ela.
Claro (espero isso pelo menos) que ao seu ver não é isso; assim como ao meu não é. Quem são e racional insistirá numa posição cônscia de fuga da realidade? Algum de nós está fugindo. Ao seu ver sou eu. Mas ao meu ver é você. O agravante para você é que o seu "ver" é filosófico e o meu é científico. Mas...
Não sei se estou entendendo. Você está dizendo que tudo o que afirma a respeito é que não sabe? Ótimo, tudo bem, embora esse discurso me pareça sensivelmente diferente do de antes. Mas, eu pergunto. Para que serve não saber nada? Podemos iniciar um projeto de replicador fundamentando-nos nisso? A questão filosófica permanecerá ad eternum para você? Por mim, pode ficar à vontade; respeito seu direito, mas sua posição não é científica.
Vou apenas continuar sem saber.
Sim, você deverá se proclamar um agnóstico em "eu" e qualia e..., o mais provável.
Tal como vamos todos ficar sem saber exatamente os porques/comos de interações aparentemente fundamentais da matéria.
Não há a menor possibilidade de comparação entre uma coisa e outra. Isso expõe o que eu disse antes: que você procura no dito fisicalismo o que, paradoxalmente, propõe que o fisicalismo não pode prover. Podemos realizar experimentos objetivos para investigar as interações fundamentais e descobrir coisas novas. Não há nada que indique que são ilusões em si. Se você vê comparabilidade possível, acho que me ajuda a entender melhor sua dificuldade.
A menos, talvez, que pessoas com uma inclinação diferente da sua eventualmente cheguem mais longe do que me parece ser possível.
Por que meio? Filosofando? Da minha "inclinação" dá para começar a fazer alguma coisa. E tem gente muito mais preparada (suponho até), em diversos sentidos, que eu seguindo essa "inclinação". Se alguém conseguir "ir mais longe", com toda probabilidade, será a partir desses trabalhos e não de filosofia.
* me parece que toda a percepção de não haver um problema/de tê-lo como resolvido num "eliminacinismo funcionalista ingênuo", algo mais ou menos nas linhas de, "existem códigos, variáveis internas para o processamento das informações sensoriais e outros processos mentais, isso a que chamam de 'qualia' nada mais é do que isso; pronto, acabou o mistério, sou um gênio! Todo mundo mais está iludido numa crença em duendes, meu deus, como sou esperto".
Você se detem demais em preocupações com "espertezas" seus desafios olímpicos. A questão não se encerra em discussões, se encerra em realizações, demonstrações práticas. (A não ser para filosofadores, é claro; para esses tudo se resume em conseguir convencer o outro de que é mais esperto, mas... felizmente, não sou filosofador) Isso aqui, para mim, são só pequeninos ensaios tangenciais iniciais. Se você está pensando que eu desejo te convencer de alguma coisa ou demonstrar que sou mais esperto que você, está profundamente enganado. Talvez pense assim porque seja o que você se esforça para fazer. Tudo o que eu quero é ver uma máquina não humana consciente, se possível, com alguma contribuição minha.
Vou tentar fazer um resumo/esclarecimento de diferentes "linhas filosóficas" sobre qualia.
Uma delas supõe que:
estímulo X ? processamento de X ? percepção subjetiva/qualia atribuido a X, que poderia ser qualquer coisa e nunca teríamos como saber porque não teria absolutamente nada a ver com os estados cerebrais dos processos resultantes do estímulo
Essa é a segunda mais problemática, depois apenas do "realismo ingênuo". Mas não é a única possível, o que talvez seja o que muitos imaginem quando se fala no assunto. Outra abordagem é:
estímulo X ? processamento de X / percepção subjetiva/qualia atribuido a X, que poderia hipoteticamente até diferir de pessoa em pessoa, mas cada quale é em última instância causado por/associado /equivalente a um estado cerebral específico
Essa é a perspectiva que julgo mais provável, mais parcimoniosa. O que o Cientista pareceu descrever em outro post me pareceu ser muito parecido com ela:
Qual post? Se deixei transparecer essa ideia, transpareceu errado; eu gostaria de corrigir. Não é equivalente a um "estado cerebral específico". Seria mais equivalente a um registro específico no cérebro, o que muda totalmente o conceito. Mas muito mais que isso, o fato é que o fenômeno não está numa estaticidade mas numa dinâmica, como eu já disse que minha abordagem linguística conjugada à abordagem modeladora implementável do Gilberto indicam.
Então o que proponho é (muito mais complexo que -- *e nada filosófico*) estímulo x, processamento inicial de x, -- em algum lugar aqui a formação do reconhecimento conexionista do padrão -- registro do processamento inicial de x, desconexão da linha de recepção sensorial externa, distorções e substituições por padrões internos previamente registrados..., comparações entre registros..., resposta, return...
É muito mais complexo que isso. Mas é a linha de projeto que pretendo seguir.
estímulo X ? processamento de X / percepção subjetiva/qualia atribuido a X, que é equivalente a um estado cerebral específico, este rigidamente associado ao estímulo X, sem qualquer camada de processamento que pudesse dar uma rotulação/criar uma ilusão diferente em indivíduos normais
A diferença me parece ser apenas que, ao Cientista, essa equivalência entre um estado cerebral e a experiência subjetiva parece não ser algo que sequer poderia suscitar qualquer espécie de indagação sobre "como", sendo de alguma forma algo auto-evidente que é "apenas" isso. Isso ou um desprezo total quanto ao "como", algo que remete ao behaviorismo. Enquanto que a mim (me parece ser também o caso do Iabadabadu) é algo bem longe de ser evidente, sendo possível apenas se ter uma ou outra interpretação razoável sobre como isso poderia ser o caso, mas estando ainda muito longe de entender, muito menos de ter como testar. Um pouco uma lei fundamental da física, ou algo que nos parecesse assim ser.
Está longe de ser evidente *diretamente*. Mas, indiretamente, não há nada mais evidente do que a ilusão do "eu". Eu já tentei várias vezes conduzir à observação de que, em ciência, a primeira coisa que temos que dispensar é nós mesmos. Há indivíduos que fazem isto sem nem mesmo perceber, mas, se não for assim, não há pensamento científico.
Todas as suas 3 apresentações filosóficas acima são a mesma. Você só definiu o "eu" de uma maneira diferente para cada uma. Muito simplista e tendencioso. Peticiona uma percepção subjetiva/qualia já na terceira fase do processo. Mas, vendo isso, eu percebo melhor o fulcro do seu triste dilema.