Revendo um post anterior do Cientista para ver se tiro dele algo que não tinha tirado antes.
O "problema *difícil*" (por favor, traduzamos o hard do hard problem assim) da consciência não existe pois que é, simplesmente, *a* ilusão. Veja, não é, simplesmente, "uma" ilusão. É a própria, em "pessoa". A ilusão é a essência da consciência; é a própria "substância" de que a consciência, o "eu", é feito.
Aqui novamente me parece mais ser o caso de trocar o termo "qualia" por "ilusão" e achar que pronto, explicou a coisa toda, acabou com as "crendices estúpidas", quando só trocou um termo e deu por encerrado, cruzando os braços achando que fez alguma coisa.
É por isso que não é possível percebê-la diretamente pois tal seria equivalente a um tipo de suicídio quase arquetipicamente equiparável ao da mitológica Medusa olhando-se no espelho.
Não sei quem falou qualquer coisa sobre que deveríamos "perceber diretamente" que são ilusões. A nossa percepção direta é de um "realismo folk/naive", e apenas a partir de alguma introspecção entendemos o "problema", que as coisas no ambiente não são diretamente vista mas codificadas em "ilusões" ou "qualia" (ou qualquer que seja um termo mais neutro e que evitasse a confusão do uso comum de ilusão como uma "percepção falha", e não como "percepção")
Toda ilusão é criada linguisticamente. A linguagem é a única maneira pela qual um sistema cognitivo pode distorcer a realidade porque a linguagem estrutura-se por representações simbólicas da realidade e, também (e aqui está o problema), por representações simbólicas das representações simbólicas*.
*Acho que a proposta do Gilberto passa por aí.
Novamente tendo a interpretação de que apenas troca "qualia" por "ilusão", e refuta mais noções parecidas com um "folk realism" -- como a que a de a nossa "ilusão" do vermelho fosse não algo criado em nossos cérebros, mas algo realmente inerente à freqüência de luz vermelha.
A pergunta não é por que nós vemos assim; a pergunta é o que você esperaria ver se não fosse assim. No processo evolutivo, o sistema óptico-cerebral (ou neuro-óptico..., não estou certo de qual seria o termo mais adequado) "teve que encontrar" alternativas para além das percepções de luminância (gradações de cinza) para enriquecer, de alguma forma, a eficiência competitiva. Então, o sistema visual evoluiu para a percepção de outro tipo de *gradações* (porque é o que a percepção de cores é; nada qualitativo mas gradativo) -- cores (ou, mais apropriadamente, matizes) variando gradualmente. Só isso, o reconhecimento de que todo um aparato físico visual totalmente específico para a percepção de cromaticidades teve que evoluir na fisiologia neurológica e visual, sem o qual nenhuma "subjetividade colorida" poderia ter lugar já é suficiente para demonstrar a natureza física dessa subjetividade.
Aqui parece dialogar com algum espantalho de um interlocutor que ignorasse evolução, e que supusesse que a questão de alguma forma nada tivesse a ver com física.
O problema é que, sabendo como se deu a evolução da visão a cores, e praticamente tudo que houver para se saber do processamento visual, ainda não é possível responder com qualquer certeza que representação ou "ilusão" de uma dada cor a um indivíduo é a mesma a todos indivíduos da mesma espécie sem diferenças como daltonismo ou algo neurológico, apenas que eles identificarão as mesmas cores pelos mesmos "nomes", mas nada podemos dizer sobre se "ver o mundo através de seus olhos" seria igual. Muito menos "o que é" isso, além de "uma ilusão funcional/adaptativa".
Também, não há qualquer motivo para concluirmos que, já que foi um processo evolutivo cujo resultado estrutural (portanto, herdado por todos os descendentes normais) que delineou o aparato visual de cromaticidades, uns enxerguem algo diferente dos outros.
Apenas se você supuser que há correlações muito fortes entre o estímulo, a cadeia de processos que ele desengata no sistema nervoso, e a representação/"ilusão" resultante. Mas não é de forma alguma algo garantido, e não temos como saber sem podermos de alguma forma ter "experiências subjetivas compartilhadas", ou de alguma forma conhecimento muito seguro de como são codificados os "píxeis" dessas ilusões/"o que são" esses píxeis.
As possibilidades para algo "fugir" disso vão desde variação genética neutra (porque a atribuição de ilusões de uma dada cor para a cor certa não é essencial para a adaptação, apenas que todo o repertório de ilusões fosse utilizado, uma para cada cor), até ser simplesmente algo não rigidamente determinado geneticamente, mas variáveis geradas "aleatoriamente" pelos cérebros individuais, desde que sempre pudessem discernir um estímulo de qualquer outro, por qualquer que fosse o rótulo/ilusão.
Eu não tenho uma opinião se é mais provável ser de uma maneira ou outra, mas parece razoável poder ocorrer coisas mais ou menos nesse sentido, parece haver algo que se aproxima um pouco disso em pessoas mais aptas a diferenciar tons de uma cor, sejam pessoas normais apenas melhor treinadas (como esquimós e variações de branco) ou com daltonismo (que distinguem melhor tons de cáqui do que não-daltônicos, onde talvez a esses tons estejam sendo aplicadas "ilusões" das cores que eles não identificam por insensibilidade ótica). O vídeo postado pelo Gigaview também talvez sugira que não seria nada espantoso que fosse algo "inventado" por cérebros individuais dada a aparente facilidade com que as "ilusões" foram trocadas na percepção subjetiva daquela mulher. Mas poderia bem ser de qualquer forma que fossem simplesmente "classes" de ilusões distintas, que "de fábrica" realmente a visão/ilusão de todos fosse "a mesma", mas isso não impedisse que fosse "hackeada" de forma que não tem muito em comum com sua determinação original.
E os distúrbios de percepção cromática, que até devem reforçar essa concepção que acabo de apresentar, também devem determinar perceções idênticas em cada um dos portadores de cada tipo de distúrbio. Assim, qualquer variedade de dicrômatas e acrômatas, daltônicos, tritanópicos, etc. devem ter, em cada grupo específico, as mesmas percepções visuais, ainda que consideradas subjetivamente.
Mas vamos um pouco além. Basta uma simples 'olhada' atenta no diagrama CIE para entender isso (e alguns livros o apresentam em preto e branco). A distinção "qualitativa" (não é subjetiva, esta, pois são duas propriedades físicas totalmente diferentes da luz que são distinguidas) nesta visão mais complexa desenvolvida evolutivamente não é entre cores variadas, entre vermelho, verde, azul ou qualquer outro matiz, mas, apenas, entre luminância e matizes. Os matizes interpenetram-se quando variam, *exatamente*, assim como tons de cinza (luminâncias variadas). Apenas, nunca demos nomes específicos para certas gradações distinguíveis de tons de cinza, a menos de claro ou escuro que pode gerar a tal "subjetividade" também. Poderíamos, assim, falar na "cinzicidão" (com um nome específico, claro) de um certo cinza em relação a outros e nos perguntarmos se todos vêem aquele cinza específico "da mesma forma" e se há subjetividade nisso. Não existe subjetividade em nada além da ilusão. Aliás, o cinza, normalmente, é considerado uma cor também, *qualitativamente* diferente de branco ou preto, que não são considerados, tecnicamente, cores. Na escala dos matizes (tons de cinza "coloridos") teríamos algo análogo aos limites preto e branco -- as transições vermelho/infravermelho e violeta/ultravioleta.
Eu leio, leio, mas você simplesmente "afirma" a coisa, não tem nenhuma base maior do que alguém que dissesse que as percepções subjetivas são individuais e essencialmente infinitas, com diferente pessoas não vendo apenas espectros embaralhados, mas até cores que para a outra são inexistentes. E tudo variaria graus de valores de uma para a outra e etc, de forma que essa pessoa poderia até fazer um texto parecido com esse, apenas dizendo exatamente o contrário.
Poderá o iludido dedicado e insistente alegar que a ilusão não pode ser provada. De fato, talvez seja a única coisa (paradoxalmente) "provável" que não pode ser provada. Mas pode ser feito algo muito melhor que isso: a ilusão pode ser mostrada assim como tem sido inumeravelmente mostrada a inexistência de deuses e demais artefatos mágicos e, inutilmente, para quem insiste na decisão de acreditar. Todavia, como a consciência não existe, não existem decisões e escolhas; tudo é como tem que ser.
Como disse algumas vezes, o problema não é o fato de ser uma "ilusão", mas qual é sua natureza exata, além de meramente se dizer que é causada por algum dado processo neurológico da qual ela não resulta de nenhuma forma minimamente "evidente". Ou seja, que é ilusão, OK, falta o "mister M" vir e mostrar qual é o truque.
Essa comparação com deuses, duendes e magia foi uma tremenda de combinação de uma saída pela esquerda deixando um espantalho-decoy. E o pior, parece que o espantalho acaba sendo do próprio argumento, pois tanto quanto posso me lembrar, todos os que defendem "qualia" no tópico não parecem divergir em nada significativo quanto a isso ser uma ilusão, muito menos algo que justificasse essas comparações desesperadas.
Não tem ninguém dizendo algo como "existem essas moléculas-fantasma, que compõem os qualia, elas fogem de todas leis da física e ficam geralmente guardadas debaixo do pote de ouro dos duendes no fim do arco-íris". O que se pergunta/coloca é que, diferentemente de "outras ilusões", essa(s) não é/são algo que conseguimos explicar, o que seria mais do que dizer ser uma ilusão, mas ser capaz de entender como elas se originam, não apenas paralelamente ao que.
Friso novamente que isso independe de se acreditar em livre-arbítrio ou algo que o valha; eu pelo menos não acredito, acho que o Huxley também não, e ironicamente, o Agnóstico faz o mesmo pouco caso com a idéia de
não haver livre-arbítrio que ele faz com qualia, para se ter uma idéia de como são independentes.