Escola sem Estado22/09/2016 CATEGORIA
Maria tem uma escola para crianças. Nela só se ensinam duas matérias: português e matemática. Os professores não têm diploma nem são sindicalizados. São no entanto pessoas com conhecimento amplo em sua disciplina e experiência de sala de aula. Diante do baixo custo e dos excelentes resultados obtidos nessas duas disciplinas, várias famílias resolveram matricular seus filhos lá, ao invés de fazê-lo em uma escola regular. Elas acreditam que as outras matérias são menos relevantes ou podem ser aprendidas fora da escola.
Marcos é professor de matemática e Luis é professor de português. Eles nunca fizeram faculdade, mas aprenderam os conteúdos de suas disciplinas com muito estudo e dedicação. Orientados por professores experientes, dedicaram-se também à Pedagogia e com eles, desde cedo estagiaram. Ambos ensinam na escola de Maria.
João acredita que a aprendizagem de uma criança deve se dar de maneira natural, a partir das demandas espontâneas dos alunos. Por isso, matriculou seu filho em uma escola em que não há um currículo fixo de disciplinas. Apenas atividades que despertam o interesse e a curiosidade dos alunos, que então são atendidos e trabalhados com o professor e a turma.
Os filhos de Marcelo e Joana não frequentam nenhuma escola. Quem define as matérias, o material, o ritmo e a avaliação de sua aprendizagem são os pais. Professores particulares são encarregados de dar aulas presenciais e online às crianças. No turno oposto, elas fazem esportes e artes, podendo assim socializar com outras crianças.
Luisa também quer ensinar sua filha em casa, mas prefere comprar o currículo que é dado via internet por uma das inúmeras empresas dedicadas a isso. Sua filha faz esportes com os filhos de Marcelo e Joana.
Clóvis acredita na importância da literatura na formação humana. Escolheu pra seus filhos uma escola onde só as disciplinas humanas são tratadas. E o são, exclusivamente através da leitura dos clássicos do cânone literário. Línguas, história, geografia, antropologia, religiões, etc.; tudo é aprendido através de Chaucer, Shakespeare, Eça de Queiroz, Machado, etc.
José é farmacêutico, Laura é médica e Mário é sociólogo. Todas as matérias estritamente teóricas dos seus cursos — no caso de Mário, o curso praticamente inteiro — foram feitas a distância com profissionais e especialistas gabaritados do mundo inteiro. Os prédios de suas universidades atendem apenas às matérias práticas e à pesquisa. Isto quando estas não são conduzidas em empresas cujos fins sejam relacionados às matérias sendo estudadas. Por exemplo, aulas práticas e/ou pesquisas de bioquímica às vezes são conduzidas em laboratórios comerciais. Sem diploma, seu currículo e capacidade técnica são garantidos por uma das várias agências credenciadoras profissionais privadas, que prestam contas a seus clientes.
…
Infelizmente, minhas historinhas não são reais. E não são porque o Estado não deixa. Não porque significariam um atraso educacional à população brasileira. Ou porque os profissionais assim formados representariam riscos à sociedade. Ou porque seria mais caro para a população (na verdade seria muito mais barato). Não deixa porque não quer perder o controle do que NÃO lhe compete e porque quer sustentar a gorda burocracia que o mantém no poder. Muito se tem falado de Escola Sem Partido. Gosto de pensar em Escolas no plural. Com ou sem partido. Se for com partido, que este seja transparentemente ofertado e voluntariamente escolhido. Escolas para pessoas diferentes, com objetivos, crenças, pensares diferentes. Não é necessariamente de escolas sem partido o que precisamos. O que precisamos urgentemente é de uma Educação sem Estado.
Anamaria Camargo
Educadora e Membro do Conselho do Instituto Liberdade e Justiça
#LiberdadeJustica
http://ilj.com.br/2016/09/22/escola-sem-estado/